São Francisco de Assis

Pai e fundador da Ordem Seráfica

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Filho de Pedro e Dona Pica Bernardone, Francisco nasceu entre 1181 e 1182 , na cidade de Assis, Itália. Seu pai era um rico e próspero comerciante. Foi batizado em Santa Maria Maior com o nome de João (Giovanni). Mas quando Pietro Bernardone voltou de uma viagem à França, mudou de ideia e resolveu trocar o nome do filho para Francisco, prestando uma homenagem àquela terra. Segundo a maioria dos biógrafos de São Francisco, o caráter e as qualidades melhores lhe vieram da mãe. Como todo jovem ambicioso de sua época, Francisco desejava conquistar, além da fortuna, também a fama e o título de nobreza. Para tal, fazia-se necessário tornar-se herói em uma dessas frequentes batalhas. No ano de 1201, incentivado por seu pai, ele partiu para uma guerra que os senhores feudais haviam declarado contra a Comuna de Assis.

Entre 1202 e 1205 encontramos um Francisco inquieto. Não é apenas a consequência de uma doença longa e misteriosa. É a inquietude de quem está incerto quanto ao sentido de sua vida. Ele decide ser cavaleiro e vai em nome da honra defender a Igreja e seus interesses, convocados pelo Papa Inocêncio III. Na cidade de Espoleto, sintomas de febre fizeram com que Francisco não pudesse partir. Ali pensou ter ouvido a voz do Senhor, com quem dialogou: “Francisco, o que é mais importante, servir ao Senhor ou servir ao servo? Servir ao Senhor, é claro. Respondeu o jovem. Então, por que te alistas nas fileiras do servo? Senhor, o que quereis que eu faça? Volta a Assis e ali te será dito, diz a Voz”.

Em busca de respostas, decidiu viajar para Roma, isso no ano de 1205. Visitou a tumba do Apóstolo São Pedro e exclamou: “É uma vergonha que os homens sejam tão miseráveis com o Príncipe dos Apóstolos!” E jogou um grande punhado de moedas de ouro, contrastando com as escassas esmolas de outros fiéis menos generosos. A seguir, trocou seus ricos trajes com os de um mendigo e fez sua primeira experiência de viver na pobreza. Voltou a Assis, à casa paterna, entregando-se ainda mais à oração e ao silêncio.

Em 1206, passeando a cavalo pelas campinas de Assis, viu um leproso, repugnante à vista e ao olfato, lhe causando nojo. Mas, então, movido por Deus, colocou seu dinheiro naquelas mãos sangrentas e deu-lhe um beijo. Falando depois a respeito desse momento, ele diz: “O que antes me era amargo, mudou-se então em doçura da alma e do corpo. A partir desse momento, pude afastar-me do mundo e entregar-me a Deus”. Pouco depois, entrou para rezar e meditar na pequena capela de São Damião, semidestruída pelo abandono. Estava ajoelhado em oração aos pés de um crucifixo quando uma voz, saída do crucifixo, lhe falou: “Francisco, vai e reconstrói a minha Igreja que está em ruínas”.

Seu Pai se indignava cada vez mais e resolveu exigir que seu filho lhe devolvesse tudo quanto recebera dele, levou perante o bispo para que o julgasse. Francisco, ciente da sentença de Cristo: “Quem ama o seu pai ou a sua mãe mais que a Mim, não é digno de Mim” (Mt 19,29), sem vacilar um momento se despojou de tudo até ficar nu, jogou os trajes e o dinheiro aos pés de seu pai, e exclamou: “Até agora chamei de pai a Pedro Bernardone. Doravante não terei outro pai, senão o Pai Celeste”. O Bispo, então, o acolheu. Daquele momento em diante, cantando “Sou o arauto do Grande Rei, Jesus Cristo”, afastou-se de sua família e de seus amigos e entregou-se ao serviço dos leprosos, e à reconstrução das Capelas da cidade.

Quando estava quase encerrando a reconstrução da capelinha de Santa Maria dos Anjos, perguntava-se o que faria, o que Deus quereria dele. Então, certo dia, Francisco escutou, durante a missa, a leitura do Evangelho: “sem túnicas, sem bastão, sem sandálias, sem provisões, sem dinheiro no bolso …” (Lc 9,3). Tais palavras encontraram eco em seu coração e foram para ele como intensa luz. E exclamou, cheio de alegria: “É isso precisamente o que eu quero! É isso que desejo de todo o coração!” E sem demora começou a viver, como o faria em toda a sua vida, a pura letra do Evangelho. Repetia sempre para si e, mais tarde, também para seus companheiros: “Nossa regra de vida é viver o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo”!

A partir de então, Francisco saiu a pregar percorrendo as vizinhanças e levando o Evangelho. Não tinha intenção nenhuma de adquirir seguidores, somente viver sua vida austera e evangelizar. Porém, logo Bernardo de Quintaval se juntou a ele e pelo caminho juntou-se aos dois Pedro de Catânia. Por três vezes abriram o livro do Evangelho, e as três respostas que encontraram foram as seguintes: “Se queres ser perfeito, vende o que tens e dá-o aos pobres. Depois vem e segue-me” (Mt 19,21). “Não leveis nada pelo caminho, nem bastão, nem alforge, nem uma segunda túnica…” (Lc 9,3). “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz cada dia e siga-me” (Mt 16,24). “Isto é o que devemos fazer, e é o que farão todos quantos quiserem vir conosco” – exclamou Francisco, que subitamente viu brilhar uma luz sobre o caminho que ele e seus companheiros deveriam seguir. Finalmente encontrou o que por tanto tempo havia procurado! Isto aconteceu a 24 de fevereiro de 1208, dando início à fundação da Fraternidade dos Irmãos Menores.

Em 1209, Francisco e seus companheiros foram até o Papa Inocêncio III para pedir a aprovação de seu carisma. Ele ficou maravilhado com o propósito de vida daquele grupo e, especialmente, com a figura de Francisco, a clareza de sua opção e a firmeza que demonstrava. Reconheceu nele o homem que há pouco vira em sonho, segurando as colunas da Igreja de Latrão, que ameaçava ruir. O Papa reconheceu que era o próprio Deus quem inspirava Francisco a viver radicalmente o Evangelho, trazendo vida nova a toda a Igreja. Por isso deu a seu modo de viver o Evangelho a aprovação oficial. Autorizou Francisco e seus seguidores a pregar o Evangelho nas igrejas e fora delas.

Francisco inspirou Clara para a santidade, dela surgiu as clarissas. Tomás de Celano diz: “Então se submeteu toda ao conselho de Francisco, tomando-o como condutor de seu caminho, depois de Deus. Por isso, sua alma ficou pendente de suas santas exortações, e a acolhia num coração caloroso tudo que ele lhe ensinava sobre o bom Jesus. Já tinha dificuldade para suportar a elegância dos enfeites mundanos, e desprezava como lixo tudo que aplaudem lá fora, para poder ganhar a Cristo”.

Todos os anos, de 15 de agosto a 29 de setembro, Francisco tinha o costume de preparar-se com uma quaresma de oração e jejum para a festa de São Miguel Arcanjo. No ano de 1224, ele teve a visão do Serafim alado e recebe os estigmas. Seu estado de saúde piora muito a partir daí. Era final de agosto, em 1226, pede para ser levado à Porciúncula. No dia 3 de outubro, à tarde, Francisco, morreu cantando “mortem suscepit”. No domingo seguinte é sepultado na igreja de São Jorge, na cidade de Assis. No dia 16 de julho de 1228, Francisco foi canonizado pelo Papa Gregório IX. Se tornou o padroeiro dos animais, pela sua admiração e relação estreita com a natureza. Também foi elevado a padroeiro principal da Itália, em 1939 por Pio XII.

Francisco de Assis entrega-nos hoje de novo todas estas palavras de Paulo, com a força do seu testemunho. Desde quando o rosto dos leprosos, amados por amor a Deus, lhe fez intuir, de certa forma, o mistério da "kenose" (cf. Fl 2, 7), o abaixar-se de Deus na carne do Filho do homem, desde quando depois a voz do Crucifixo de São Damião lhe colocou no coração o programa da sua vida: "Vai, Francisco, repara a minha casa" (2 Cel I, 6, 10: FF 593), o seu caminho não foi mais que o esforço quotidiano de se identificar com Cristo. Ele apaixonou-se por Cristo. As chagas do Crucificado feriram o seu coração, antes de marcar o seu corpo em La Verna. Ele podia verdadeiramente dizer com Paulo: "Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim". 

O que foi, a vida de Francisco convertido, a não ser um grande ato de amor? Revelam-no as suas orações fervorosas, ricas de contemplação e de louvor, o seu terno abraço de Menino divino em Greccio, a sua contemplação da paixão em La Verna, o seu "viver segundo a forma do santo Evangelho" (2 Test 14: FF 116), a sua opção pela pobreza e o seu procurar Cristo no rosto dos pobres. 

É esta sua conversão a Cristo, até ao desejo de "se transformar" n'Ele, tornando-se uma imagem completa que explica aquela sua vivência típica, em virtude da qual ele se nos mostra tão atual também em relação aos grandes temas do nosso tempo, como a busca da paz, a salvaguarda da natureza, a promoção do diálogo entre todos os homens. Francisco é um verdadeiro mestre nestas coisas. Mas também o é a partir de Cristo. De fato, é Cristo "a nossa paz" (cf. Ef 2, 14). É Cristo o próprio princípio da criação, dado que n'Ele tudo foi feito (cf. Jo 1, 3). É Cristo a verdade divina, o eterno "Logos", no qual qualquer "diálogos" no tempo encontra o seu fundamento último. Francisco encarna profundamente esta verdade "cristológica" que está nas raízes da existência humana, da criação, da história.”

*VISITA PASTORAL DO PAPA BENTO XVI A ASSIS/2007

São Francisco fala a todos, mas tem precisamente pelos, jovens, uma atração especial. A sua conversão teve lugar quando estava na plenitude da sua vitalidade, das suas experiências e dos seus sonhos. Tinha transcorrido vinte e cinco anos sem decifrar o sentido da vida. Poucos meses antes de morrer, recordará aquele período como o tempo em que "vivia nos pecados"  

Em que pensava, Francisco, quando falava de pecados? Segundo as biografias, cada uma das quais tem um seu perfil, não é fácil determiná-lo. Um retrato eficaz do seu modo de viver encontra-se na Legenda dos três companheiros, onde se lê. "Francisco era muito alegre e generoso, dedicado aos jogos e aos cantos, perambulava pela cidade de Assis dia e noite com amigos do seu cunho, tão generoso ao gastar, que dissipava em almoços e outras coisas aquilo que podia ter ou ganhar" (3 Comp 1, 2: FF 1396). De quantos jovens, nos nossos dias, não se poderia dizer algo de semelhante? 

 

Como negar que são numerosos os jovens, e não jovens, tentados a seguir de perto a vida do jovem Francisco, antes da sua conversão? Por detrás daquele modo de viver havia o desejo de felicidade que habita cada coração humano. Mas podia aquela vida dar a alegria verdadeira? Francisco certamente não a encontrou. A verdade é que as coisas finitas podem dar centelhas de alegria, mas somente o Infinito pode encher o coração. Disse-o outro grande convertido, Santo Agostinho: "Criastes-nos para Vós, ó Senhor, e o nosso coração está inquieto, enquanto não descansa em Vós" (Confissões, 1, 1). 

Ainda o mesmo texto biográfico refere-nos que Francisco era bastante vaidoso. Gostava de fazer confeccionar para si vestes sumptuosas e buscava a originalidade (cf. 3 Comp 1, 2: FF 1396). Na vaidade, na busca da originalidade, há algo pelo que todos nós somos de alguma forma tocados. 

Hoje, costuma-se falar de "cuidado da imagem", ou de "busca da imagem. Em certa medida, isto pode expressar um desejo inocente de ser bem acolhidos. Mas com frequência insinuam-se nisto o orgulho, a busca exagerada de nós mesmos, o egoísmo e o desejo de domínio. Na realidade, centrar a vida em nós mesmos é uma armadilha mortal: nós somente poderemos ser nós mesmos, se nos abrirmos ao amor, amando Deus e os nossos irmãos.”  

Um aspecto que impressionava os contemporâneos de Francisco era também a sua ambição, a sua sede de glória e de aventura. Foi isto que o impeliu para o campo de batalha, levando-o a terminar como prisioneiro por um ano em Perugia. Uma vez livre, a mesma sede de glória tê-lo-ia levado até às Apúlias, numa nova expedição militar, mas precisamente nesta circunstância, em Espoleto, o Senhor fez-se presente no seu coração, induziu-o a voltar pelos seus passos e a colocar-se seriamente à escuta da sua Palavra. É interessante observar como o Senhor tomou Francisco pelo seu lado, o do desejo de se afirmar, para lhe indicar o caminho de uma ambição santa, projetada rumo ao Infinito: "Quem te pode ser mais útil: o senhor ou o servo?" (3 Comp 2, 6: FF 1401), foi a pergunta que ele ouviu ressoar no seu coração. É como dizer: por que te contentares com depender dos homens, quando existe um Deus pronto a acolher-te na sua casa, no seu serviço real? 

Então, ouvimos repetir no cântico que São Francisco ouviu uma voz. Ouviu no seu coração a voz de Cristo; e o que aconteceu? Aconteceu que compreendeu que devia colocar-se ao serviço dos irmãos, sobretudo dos mais sofredores. Tal é a consequência deste primeiro encontro com a voz de Cristo.  Sensibilizado pela graça, ele abriu-lhes o seu coração. E fê-lo não somente através de um misericordioso gesto de esmola seria demasiado pouco mas beijando-os e servindo-os. Ele mesmo confessa que aquilo que antes lhe resultava amargo, se lhe tornou "doçura de alma e de corpo" (2 Test 3: FF 110). 

Portanto, a graça começou a plasmar Francisco. Ele tornou-se cada vez mais capaz de fixar o seu olhar no rosto de Cristo e de ouvir a sua voz. Foi naquele momento que o Crucifixo de São Damião lhe dirigiu a palavra, chamando-o para uma missão ousada: "Vai, Francisco, repara a minha casa que, como vês, está totalmente em ruína" (2 Cel I, 6, 10: FF 593). É a imagem de Cristo Crucificado-Ressuscitado, vida da Igreja, que fala inclusive em nós se estamos atentos, como há dois mil anos falou aos seus apóstolos e há oitocentos anos falou a Francisco. A Igreja vive continuamente deste encontro. 

Deixemo-nos encontrar por Cristo! Confiemos nele, ouçamos a sua Palavra. Nele não há somente um ser humano fascinante. Todavia, é também muito mais: nele Deus fez-se homem e, portanto, Ele é o único Salvador, como diz o seu próprio nome: Jesus, ou seja, "Deus salva". Eis o que Francisco sentia por Jesus, segundo quanto narra o seu primeiro biógrafo: "Ele tinha Jesus sempre no coração. Jesus nos lábios, Jesus nos ouvidos, Jesus nos olhos, Jesus nas mãos, Jesus em todos os outros membros... Aliás, encontrando-se muitas vezes em viagem e meditando ou cantando Jesus, esquecia-se que estava em viagem e detinha-se para convidar todas as criaturas ao louvor de Jesus" (1 Cel II, 9, 115: FF 115). Deste modo, vemos que a comunhão com Jesus abre também o coração e os olhos para a Criação. Em síntese, Francisco era um verdadeiro apaixonado por Jesus. 

Chegou a hora de jovens que, como Francisco, vivam seriamente e saibam estabelecer uma relação pessoal com Jesus. Chegou a hora de considerar a história deste terceiro milénio, como uma história que tem mais necessidade do que nunca de ser fermentada pelo Evangelho. 

"Abri as portas a Cristo". Abri-as à maneira de Francisco, sem medo, sem cálculos, sem medida. 

*VISITA PASTORAL DO PAPA BENTO XVI A ASSIS/2007 

Exatamente porque pertence a Cristo, Francisco pertence também à Igreja. Do Crucifixo de São Damião, ele recebeu a indicação de reparar a casa de Cristo, que é precisamente a Igreja. Entre Cristo e a Igreja existe uma relação íntima e indissolúvel. Sem dúvida, ser chamado a repará-la implicava, na missão de Francisco, algo de próprio e de original. Ao mesmo tempo, aquela tarefa nada mais era, em última análise, do que a responsabilidade atribuída por Cristo a cada batizado. 

Este acontecimento, que aconteceu provavelmente em 1205, faz pensar noutro evento semelhante que se verificou em 1207: o sonho do Papa Inocêncio III. Ele vê em sonhos que a Basílica de São João de Latrão, a igreja-mãe de todas as igrejas, está a desabar e um religioso pequeno e insignificante ampara com os seus ombros a igreja para que não caia. É interessante notar, por um lado, que não é o Papa quem dá ajuda para que a igreja não desabe, mas um religioso pequeno e insignificante, que o Papa reconhece em Francisco que o visita. Inocêncio III era um Papa poderoso, de grande cultura teológica, assim como de grande poder político, contudo não é ele quem renova a Igreja, mas um religioso pequeno e insignificante: é São Francisco, chamado por Deus. Por outro lado, é importante observar que São Francisco não renova a Igreja sem ou contra o Papa, mas em comunhão com ele. As duas realidades caminham juntas: o Sucessor de Pedro, os Bispos, a Igreja fundada na sucessão dos Apóstolos e o carisma novo que o Espírito Santo cria neste momento para renovar a Igreja. Ao mesmo tempo, cresce a verdadeira renovação.  

O jovem Francisco sentia um afeto verdadeiramente filial pelo seu Bispo, e foi nas suas mãos que, despojando-se de tudo, fez a profissão de uma vida já totalmente consagrada ao Senhor (cf. 1 Cel I, 6, 15: FF 344). Sentia de modo especial a missão do Vigário de Cristo, a quem submeteu a sua Regra e confiou a sua Ordem. Se os Papas mostraram tanto afeto por Assis, ao longo da história, isto constitui num certo sentido uma retribuição do carinho que Francisco teve pelo Papa.” 

“O Pobrezinho de Assis tinha compreendido que cada carisma doado pelo Espírito Santo deve ser colocado ao serviço do Corpo de Cristo, que é a Igreja; portanto agiu sempre em plena comunhão com a autoridade eclesiástica. Na vida dos santos não há contraste entre carisma profético e carisma de governo e, se surge alguma tensão, eles sabem esperar com paciência os tempos do Espírito Santo. 

Francisco sabia que Cristo nunca é "meu", mas é sempre "nosso", que não posso tê-lo "eu" e reconstruir "eu" contra a Igreja, a sua vontade e o seu ensinamento, mas só na comunhão da Igreja construída sobre a sucessão dos Apóstolos é que se renova também a obediência à palavra de Deus. 

A cada um de nós, O Senhor diz: "Vai, repara a minha casa". Todos nós somos chamados a reparar de novo, em cada geração, a casa de Cristo, a Igreja. E a Igreja vive e torna-se bela, somente quando age deste modo.”  

*PAPA BENTO XVI AUDIÊNCIA GERAL/Quarta-feira, 27 de Janeiro de 2010 

São Francisco no início do século XIII movido pelo amor a Cristo pobre e Crucificado foi ao Oriente Médio para tocar os lugares que até hoje constituem um testemunho insubstituível da revelação de Deus e do seu amor pelos homens.  Naquela sua peregrinação, não obstante as guerra dos Cruzados, encontrou e dialogou com o sultão Melek Al- Kamel, que naquele tempo governava na Terra Santa. Foi um encontro pacífico, que deu início à presença dos franciscanos na Terra Santa e que marcou também o estilo da nossa presença no decorrer dos séculos, até hoje. 

Em 1217 em Santa Maria dos Anjos, próximo de Assis, foi celebrado o primeiro Capítulo Geral dos Frades Menores. São Francisco, em um gesto inspirativo, decide mandar os seus frades a todas as nações.  

O mundo foi, por assim dizer, dividido em “Províncias” franciscanas e os frades, partindo de Assis, dividiram-se aos quatro pontos cardiais. Naquela solene ocasião, não foi esquecida a Terra Santa.  

São Francisco e os franciscanos tiveram sempre presente o amor à Encarnação de Jesus. Os Lugares Santos, são antes a manifestação, as pegadas da passagem de Deus neste mundo, o eco das palavras do Senhor, que nos falou por meio dos profetas e dos apóstolos, que se fez “carne”, homem como nós, habitando em nosso meio. São pedras que ouviram a voz e beberam o sangue de nosso Salvador. Ora, aquela palavra de Deus e aquele sangue derramado devem ser recolhidos e conservados para que formem parte da vida de cada cristão. 

Os dois grandes líderes, Francisco e Al-kamil, "uniram-se em favor da paz e da tolerância em meio à atmosfera de guerra e conflito durante as Cruzadas. Deram um exemplo de diálogo inter-religioso e compreensão recíproca"  

Durante sua breve viagem, São Francisco indicou aos futuros missionários franciscanos de que modo eles deveriam habitar naquelas regiões e qual seria o seu campo específico de atividades. No entender do “Pobrezinho”, a Evangelização deve ser feita amigavelmente e com extrema humildade, exatamente como ele fizera com o Sultão. Os Lugares Santos devem ser amados e venerados por sua estreita relação com os momentos mais significativos da vida de Cristo. 

Os Lugares Santos, mesmo que se queira apenas admirar sua beleza, não são simples pedras. São antes a manifestação, as pegadas da passagem de Deus neste mundo, o eco das palavras do Senhor, que nos falou por meio dos profetas e dos apóstolos, que se fez “carne”, homem como nós, habitando em nosso meio. São pedras que ouviram a voz e beberam o sangue de nosso Salvador. 

Ora, aquela palavra de Deus e aquele sangue derramado devem ser recolhidos e conservados para que formem parte da vida de cada cristão. Captar a voz que brota daquelas pedras e compreender sua mensagem é, desde sempre, o trabalho dos filhos de S. Francisco na Terra Santa. Isso pretendem os vários Papas, quando afirmam que a missão dos Frades foi a de fazer com que os Lugares Bíblicos sejam centros de espiritualidade, que cada santuário conserve e transmita a mensagem evangélica e que alimente, além disso, a piedade dos fiéis. 

“Pasme o homem todo, estremeça a terra inteira, rejubile o céu em altas vozes quando, sobre o altar, estiver nas mãos do sacerdote o Cristo, Filho de Deus vivo! Ó grandeza maravilhosa, ó admirável condescendência! Ó humildade sublime, ó humilde sublimidade! O Senhor do universo, Deus e Filho de Deus, se humilha a ponto de se esconder, para nosso bem, na modesta aparência de pão … Nada de vós retenhais para vós mesmos, para que totalmente vos receba quem totalmente se vos dá” (Carta de São Francisco à Ordem). 

Francisco “Ardia com fervor que vinha do mais profundo de seu ser para com o sacramento do corpo do Senhor, pois ficava literalmente estupefato diante de tão amável condescendência e de tão digna caridade. Achava que era um desprezo multo grande não assistir pelo menos a uma missa cada dia, se pudesse. Comungava muitas vezes, e com tamanha devoção que tomava devotos também os outros. Como tinha toda reverência para com tudo aquilo que se deve reverenciar, oferecia o sacrifício de todos os seus membros e, recebendo o cordeiro imolado, imolava o seu espírito com aquele fogo que sempre ardia no altar de seu coração. Certa ocasião quis mandar os frades pelo mundo com preciosas âmbulas para guardarem o preço de nossa redenção no melhor lugar, onde quer que o encontrassem guardado de maneira menos digna. Queria que tivessem a maior reverência para com as mãos sacerdotais pela autoridade divina que lhes tinha sido conferida para a confecção do santo sacramento. Dizia frequentemente: ‘Se me acontecesse de encontrar ao mesmo tempo um santo descido do céu e um sacerdote pobrezinho, saudaria primeiro o presbítero e me apressaria a beijar suas mãos.’ Até diria: Espera, São Lourenço, porque as mãos deste homem seguram a Palavra da vida e têm um poder mais que humano” (2Cel20 1). 

“O sacramento do corpo do Senhor, o inflamava de amor até ao fundo do coração de Francisco: admirava, espantado, misericórdia tão amável e amor tão misericordioso. Comungava muitas vezes e com tanta devoção, que comunicava aos outros e sua devoção quando todo inebriado do Espírito e inteiramente absorto em saborear o Cordeiro imaculado era arrebatado em frequentes êxtases” (LM 9,2). 

Nutria também um especial amor pela escuta da palavra evangélica durante ou após a missa: “Quando não posso ouvir missa, adoro o corpo do Senhor na oração e com o olhar da mente, do mesmo modo que o adoro quando o contemplo durante a celebração eucarística.’ Depois de ouvir ou ler o trecho evangélico, o bem-aventurado Francisco devido a sua profunda reverência para com o Senhor, sempre beijava o livro dos Evangelhos” (Breviário de São Francisco). 

Não podemos ignorar o que escreve em seu Testamento a respeito da visita às Igrejas e a oração que costumava fazer: “E o Senhor me deu tanta fé nas Igrejas que com simplicidade orava e dizia: ‘Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, aqui e em todas as vossas Igrejas que estão no mundo inteiro, e vos bendizemos porque por vossa santa cruz remistes o mundo” (Test 4-5). 

Embora esta oração não tenha referência explícita à eucaristia, seu conteúdo e sobretudo a referência ao local, além de sua interpretação e de seu uso na Ordem, não deixam dúvida alguma quanto a seu cunho eucarístico. Toda igreja que se visita ou se vê de longe é um convite a uma oração revestida de adoração e de bênção, a Cristo, cujo corpo está presente no sacramento conservado nos templos. A fé do santo vai para além de cada Igreja e se dilata com liberdade atingindo a Cristo nos sinais exteriores de sua presença, unindo, na oração, adoração e louvor, a eucaristia e a cruz.  

Por que chamamos São Francisco de Assis de "Pai Seráfico"? São muitos os nomes que associamos ao santo da cidade da Úmbria: o Poverello de Assis; alter Christus; o tolo de Deus, entre estes atinge um, em particular: o "Pai seráfico". Mas o que esse nome significa? 

A palavra serafim vem do hebraico Saraf (שרף) que, por sua vez, significa abrasar, queimar. Veja, já aqui podemos aprender com esses nossos irmãos o seguinte: eles, quando adoram a Deus, são invadidos pelo seu Amor que é tão forte que chega a queimar, fazendo a alma do amante arder diante da presença do amado. Portanto, esses seres espirituais estão profundamente ligados ao Ágape divino, capaz de aquecer qualquer inverno interior. 

Isaías no capítulo 6 faz uma bela descrição de quem é o "serafim":  "Eu vi o Senhor sentado num trono muito elevado; as franjas de seu manto enchiam o templo. Os serafins se mantinham junto dele. Cada um deles tinha seis asas; com um par de asas velavam a face; com outro cobriam os pés; e, com o terceiro, voavam. Suas vozes se revezavam e diziam: “Santo, santo, santo é o Senhor Deus do universo! A terra inteira proclama a sua glória!”. "Ai de mim” – gritava eu –. “Estou perdido porque sou um homem de lábios impuros, e habito com um povo (também) de lábios impuros e, entretanto, meus olhos viram o rei, o Senhor dos exércitos!” Porém, um dos serafins voou em minha direção; trazia na mão uma brasa viva, que tinha tomado do altar com uma tenaz. Aplicou-a na minha boca e disse: “Tendo esta brasa tocado teus lábios, teu pecado foi tirado, e tua falta, apagada”.  

“São Tomás de Aquino, em sua Summa Teológica, explica-nos com sua perspicácia usual o que “serafim” significa. Lemos, então, esta passagem: “O nome dos serafins não deriva da caridade como tal, mas de uma superabundância da caridade, como indica a palavra ardor ou fogo. Por isso Dionísio interpreta o nome 'serafim' com base nas propriedades do fogo, em que o calor está em excesso”. E, ainda: “Em primeiro lugar, seu movimento ascendente que é contínuo. E isso indica que é da natureza do serafim mover-se constante e invariavelmente em direção a Deus. Em segundo lugar, sua virtude ativa que é o calor. E isso se encontra no fogo não de forma alguma, mas em grau agudo, pois é supremamente penetrante em sua ação, chegando até as fibras íntimas; e também é acompanhado por um fervor irreprimível.  Em terceiro lugar, no fogo devemos considerar o esplendor. E isso indica que esses anjos possuem em si uma luz inextinguível e que podem iluminar perfeitamente os outros”. 

São Francisco: ardor para o Senhor, fogo inextinguível para o próximo, para os pobres. No comentário de São Tomás de Aquino, como não encontrar a figura de São Francisco? Nesse "caminhar constantemente" para Deus se encontra o movimento constante da alma do santo de Assis. E depois, este "calor": quem encontrou São Francisco fala-nos de uma espécie de fogo que o devorou. O fogo - lembremo-nos - é uma expressão do Espírito Santo. A "luz inextinguível" de que fala o santo dominicano é a mesma que transfigurou o rosto - poderíamos dizer - de São Francisco. Por essas razões, só poderia ser chamado de "seráfico". E bem o conhece Dante, que no Canto XI do Paraíso define Francisco como "todo seráfico no ardor": é o ardor do coração, é o ardor do Amor. Amor ardente, abrasado. Um desejo gritado de união com Cristo, único objeto de seu desejo.  O amor seráfico se reveste de um cunho de inteireza e de ardor. 

Assim dois anos antes de devolver o espírito ao céu, inundado mais profusamente pela suavidade da contemplação do alto e abrasado pela chama mais ardente dos desejos celestes viu como que a figura de um Serafim que tinha seis asas tão fúlgidas, tão inflamadas a descer da sublimidade dos céus, o qual chegando com um vôo rapidíssimo num  lugar próximo ao homem de Deus, apareceu não somente alado, mas também crucificado, tendo as mãos e os pés estendidos, e pregados à cruz e as asas de modo tão maravilhoso dispostas de uma e outra parte que elevava duas sobre a cabeça, estendia duas para voar e com as outras duas velava o corpo, envolvendo-o todo Depois de um certo colóquio secreto e familiar, ao desaparecer, a visão inflamou-lhe interiormente o espírito com ardor seráfico e marcou-lhe exteriormente a carne com a imagem do Crucificado, como se ao poder prévio de derreter o fogo seguisse uma impressão do selo” ( Legenda Menor – Os sagrados estigmas, n.1).” 

Existe um amor que sobrepuja todos os outros, de beleza indescritível, forte e dominante, que o autor de Cântico dos cânticos louva: “Quão formosa e quão aprazível és, ó amor em delícias.” É este o amor que Jesus concede à alma esposa, e é este o amor da alma sincera por Jesus.  

Jesus, em seu amor por nós, mostra-nos o caminho, o mesmo que Ele mostrou ao jovem rico. Para alcançar o bem precioso do amor esponsal, da união íntima com o Amado, da vida eterna, é preciso vender alguma coisa, ceder alguma coisa, na realidade é necessário vender tudo. Isto é inevitável, porque o amor divino é amor total, não se entrega pela metade, se entrega até a morte. 

A realidade do amor esponsal ilumina outros mistérios do cristianismo como o próprio celibato dos padres e dos religiosos. Em consequência da responsabilidade de suas vocações, eles são chamados a uma continência ainda mais perfeita para que tenham a Deus como único amor de seus corações. 

Em São Damião havia somente um simples altar de Alvernaria e, um Crucifixo bizantino do ano 1.100. Aquele Crucifixo, possui uma expressão de calma e de doçura indizíveis. Em lugar de fechar as pálpebras para abandonar-se, sob o peso de suas dores, Ele olha, se esquece de si mesmo e seu olhar puro e claro não diz: “eu sofro”, mas afirma: Vinde a mim! 

Enquanto Francisco rezava, aos poucos, lhe pareceu que seu olhar não podia se destacar do olhar de Jesus. Jesus aceitava a oblação de Francisco, Jesus queria seu trabalho, sua vida, toda sua pessoa, e em troca, o pobre abandonado já tinha o coração inundado de luz. Essa visão marca o triunfo definitivo de São Francisco. Consumou-se sua união com Cristo. 

 Esse olhar de amor dirigido ao Crucifixo, esse misterioso colóquio não mais devia cessar. O Crucificado se dera a ele que, por sua vez, se entregara ao Crucificado, sem volta. 

Depois Aqueles grandes olhos do Crucifixo que haviam fascinado Francisco, transformariam- se no Espelho de Clara. 

Na Carta aos Fiéis Francisco ensina que: “Somos esposos quando, pelo Espírito Santo, une-se a alma fiel a Nosso Senhor Jesus Cristo. Somos seus irmãos quando fazemos a vontade do Pai que está nos céus. Mães, quando o levamos em nosso coração e em nosso corpo pelo amor divino e a consciência pura e sincera, e damos à luz pela santa operação que deve iluminar a todos com o exemplo. Oh! como é glorioso, santo e grande ter nos céus um Pai! Oh! como é santo ter tal esposo: paráclito, belo e admirável! Oh! como é santo e dileto ter tal irmão e filho, agradável, humilde, pacífico, doce, amável e sobre todas as coisas desejável: Nosso Senhor Jesus Cristo!  

“Francisco, lutava para manter o espírito presente no céu. Toda a sua alma tinha sede de seu Cristo, ele lhe dedicava não só todo o coração, mas também todo o corpo.  Se por acaso as visitas ou quaisquer negócios o surpreendiam, interrompendo-o antes de terminar, ele voltava novamente às realidades interiores Para não estar sem cela, fazia do manto uma pequena cela. Muitas vezes, faltando-lhe o manto, para não revelar o maná escondido, cobria o rosto com a manga. Sempre interpunha algo aos presentes, para que não conhecessem o toque do esposo, de modo que inserido entre muitos no estreito espaço de um navio, rezava sem ser visto. Finalmente, não podendo nada destas coisas, fazia do peito um templo.  

Rezando nas florestas e nos lugares solitários, enchia os bosques de gemidos, banhava os lugares de lágrimas, batia com a mão no peito e aí, encontrando como que um esconderijo mais oculto, conversava com palavras com seu Senhor. Aí respondia ao Juiz, suplicava ao Pai, conversava com o Amigo, divertia-se com o Esposo. Assim, totalmente transformado não só em orante, mas em oração, dirigia toda a atenção e todo afeto a uma única coisa que pedia ao Senhor. Deste modo, fervendo intensamente no fervor do espírito, e todo o aspecto exterior e toda a alma completamente derretida, já morava na suprema pátria do Reino Celeste”. 

Havia se passado cerca de seis anos desde que o jovem Francisco havia empreendido o caminho da santidade. Os primeiros anos de sua nova vida foram marcados por dificuldades, amarguras e incompreensões. Porém, muitos começaram a refletir. Também a jovem Clara, então adolescente, foi tocada por aquele testemunho. Dotada de um notável sentido religioso, foi conquistada pela “mudança” existencial daquele que havia sido o «rei das festas».  

Os grandes olhos de Cristo, do Crucifixo de São Damião que tinham fascinado Francisco, tornaram-se o «espelho» de Clara. O Pobrezinho de Assis mostrou-lhe uma beleza superior, que não se mede com o espelho da vaidade, mas desenvolve-se numa vida de amor autêntico, nas pegadas de Cristo Crucificado. Deus é a beleza verdadeira! O coração de Clara iluminou-se com este esplendor. 

“No relato da criação, lemos estas palavras: “Disse então o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só; quero ajudá-lo como ele” (Gn 1,18). E foi assim que Eva foi criada. Essas palavras Deus repetiu várias vezes ao longo da história. Um dia ele disse: “Não é bom para Francisco ficar sozinho; Quero ajudá-lo como ele” e foi assim que Chiara foi“criada ”. Chiara foi verdadeiramente uma ajuda "semelhante" a ele para Francisco, da mesma natureza, do mesmo temperamento. Uma alma "gêmea" no sentido mais verdadeiro. O mesmo deve ser dito de Francisco em relação a Clara.” 

“É comum falar da amizade entre Clara e Francisco como um amor humano sublimado. “A relação entre Santa Clara e São Francisco - escreve o sociólogo Francesco Alberoni - tem todas as características de um amor transferido (ou sublimado) na divindade”. Como todo homem, mesmo sendo santo, Francisco pode ter experimentado o chamado das mulheres e do sexo. Fontes relatam que para vencer essa tentação, o santo rolou na neve no inverno. Mas não era sobre Clara! Quando entre um homem e uma mulher estão unidos em Deus, esse vínculo, se for autêntico, exclui qualquer atração de tipo erótico, mesmo sem haver luta. É como um abrigo. É outro tipo de relacionamento. Entre Clara e Francisco havia certamente um vínculo muito forte, também humano, mas de tipo paternal e fraterno, não conjugal. Francisco chamou Clara de sua "plantinha" e Clara chamou Francisco de "nosso Pai.”

 “Aqui, mais do que nunca, é necessário renunciar aos juízos do homem comum, que não consegue compreender um tipo de comunhão entre homem e mulher em que o instinto sexual não esteja envolvido. A comunhão dos sexos é algo divino, pois prefigura simbolicamente a união das almas. O amor físico é apenas uma faísca efêmera, destinada a acender a chama do amor duradouro nos corações; é o vestíbulo do templo, ainda não é o santo dos santos ... Porém, há almas tão pouco terrenas e tão puras que de repente entram no santo dos santos e uma vez lá dentro, o pensamento de outra união não seria apenas um cair, mas uma coisa impossível. Esse era o amor entre São Francisco e Santa Clara. Mas essas são exceções, e sua pureza tem algo de misterioso; é tão grande que, ao propor aos homens, corre-se o risco de lhes falar uma linguagem incompreensível, ou pior”.( Paul Sabatier) 

O entendimento extraordinariamente profundo entre Francisco e Clara que caracteriza a epopeia franciscana não vem da “carne”. Antoine de Saint-Exupéry escreveu que "amar-se não significa olhar para o outro, mas olhar juntos na mesma direção".  “Clara e Francisco não passaram a vida olhando um para o outro, sentindo-se bem juntos. Em vez de se olharem, Clara e Francisco olharam na mesma direção. E sabemos o que essa "direção" significava para eles: Jesus, pobre, humilde, crucificado. Clara e Francesco eram como os dois olhos que sempre olham na mesma direção. Olharam para o mesmo Deus, para o mesmo Senhor Jesus, para o mesmo Crucifixo, para a mesma Eucaristia.” 

“A amizade de Francisco e Clara tem uma característica: não é exclusiva, não exclui os outros, os irmãos de Francisco e as irmãs de Clara, mas transborda sobre eles. Francesco é irmão e pai de todas as irmãs; Chiara é irmã e mãe de todos os frades. Quando a amizade entre homem e mulher é desta qualidade - não possessiva, mas compartilhada - torna-se uma reminiscência da criação, um retorno à inocência original das relações, um "retorno ao paraíso", segundo o ideal ascético dos Padres da deserto. Por meio da renúncia e da cruz  o homem reentra no paraíso perdido.”

“Aqui está o mistério dessa complementaridade que a Bíblia destaca ao dizer: “Deus criou o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou ”(Gn 1:27). Juntos, eles formam a imagem perfeita do Deus bíblico que é unidade e diversidade, um e três, unidade de amor e não de número. Assim, Francisco e Clara são imagens do Cristo total que é o esposo e a noiva unidos para formar "um grande mistério.” Francisco e Clara, como outros “casais” luminosos na história da santidade cristã (Bento e Escolástica, Francesco de Sales e Joana de Chantal ...) constituem um apelo a algo diferente, onde a natureza é coroada, não destruída, pela graça.

A respeito de Francisco e Clara recordemos as palavras de São João Paulo II em uma de suas visitas a Assis: “O binômio Francisco-Clara é uma realidade que só se entende com categorias cristãs, espirituais, do céu.  

Mas também é uma realidade desta terra, desta cidade, desta Igreja. Tudo tomou corpo aqui. Não se trata só do espírito; nem são nem eram espíritos puros; eram corpos, pessoas, espíritos.  

Mas, na tradição viva da Igreja, do cristianismo inteiro, não ficou apenas a lenda. Ficou o modo como São Francisco via sua irmã, o modo como ele se desposou com Cristo; ele via a si mesmo na imagem dela, imagem de Cristo, em que via retratada a santidade que devia imitar; via a si mesmo como um irmão, um pobrezinho à imagem da santidade desta esposa autêntica de Cristo em que encontrava a imagem da Esposa perfeitíssima do Espírito Santo, Maria Santíssima. Não é só lenda humana, mas uma lenda divina digna de ser contemplada com categorias diferentes, de se contemplar na oração.” 

*Dom Frei Raniero Cantalamessa