“És um jardim fechado, minha irmã, minha noiva, uma nascente fechada, uma fonte selada. Teus rebentos são como um bosque de romãs com frutos deliciosos; com nardo e açafrão, canela e cinamomo, com todas as árvores de incenso, mirra e aloés, com os bálsamos mais preciosos. És a fonte do meu jardim, uma fonte de água viva, um riacho que corre do Líbano.”
Estas palavras escreve Salomão no Cântico dos cânticos. Embora estas palavras sejam ditas da Santa Igreja e da Virgem Maria, se pode igualmente se referir a Santa virgem Clara, e a sua Ordem Monástica santa e famosa. Entre todos os homens, de fato a Virgem Clara, escolheu e tomou como Esposo o Senhor Jesus Cristo. Da sua parte o Senhor a corou no céu, como sua esposa, com uma coroa de indizível beleza. Não é à toa que o cavalheiro escolhido pronuncia as seguintes palavras a sua esposa, Ele, que de fato, a escolheu até o fim dos tempos entre milhares como se quisesse dizer: o santa Virgem Clara, minha irmã, minha esposa, a sua Ordem é um jardim fechado, e produz muitos frutos. Neste bosque as árvores crescem sempre mais, florescem e crescem e portanto produzem frutos, que são doces e agradáveis ao Amado esposo Jesus. Todos os dias o Senhor desce ao seu jardim para guardá-lo e cuidá-lo, de modo que as flores não sequem nem caiam por descuido, o Amado Senhor as sustenta com encorajamento espiritual.” (Fonti Clariani- Legenda Holandesa de Santa Clara)
Madre Vitória da Encarnação é uma árvore do jardim de Santa Clara, “numa época em que a vida consagrada contemplativa havia perdido muito de seu brilho, Deus fez nascer na Bahia, e precisamente neste Convento das Clarissas, uma vocação que seria um sinal para suas coirmãs, um sinal para a Igreja. Refiro-me, sim, à Madre Vitoria da Encarnação. Tão forte foi esse sinal que apenas cinco anos após o seu falecimento, o Arcebispo da época, o grande Dom Sebastião Monteiro da Vide, publicou um livro com um resumo da vida desta religiosa. Conforta-nos saber que nesta terra do Salvador tenha florescido uma filha que alcançou tamanho grau de santidade. Talvez seu processo de beatificação não tenha progredido pelas dificuldades de comunicação da época. Beatificada ou não, Madre Vitória da Encarnação é um exemplo e um estímulo para todos nós – bispos, sacerdotes, diáconos, consagrados e consagradas, leigos e leigas -, buscarmos o caminho da santidade.” ( Dom Murilo S.R. Krieger, scj)
Clara de Assis: “Mulher admirável por seu nome, Clara de palavra e virtude, natural de Assis, de família muito preclara, foi concidadã do bem-aventurado Francisco na terra e, depois, foi reinar com ele na glória. O pai era militar, e a família, de cavaleiros, dos dois lados. A casa era abastada e as riquezas, para o padrão local, copiosas. Sua mãe Hortolana, que devia dar à luz a planta frutífera no jardim da Igreja, também era rica em não poucos bons frutos. Embora presa aos laços do matrimônio e aos cuidados familiares, entregava-se como podia ao serviço de Deus e a intensas práticas de piedade. Tanto que, por devoção, foi com os peregrinos ao ultramar e voltou toda feliz, depois de visitar os lugares que o Deus-Homem consagrou com suas pegadas. Também foi ao santuário de São Miguel Arcanjo para rezar e visitou piedosamente as basílicas dos apóstolos.
A mãe, grávida, próxima de dar à luz, estava orando ao Crucificado diante da cruz, na igreja, para passar saudavelmente pelos perigos do parto, quando ouviu uma voz que dizia Não temas, mulher, porque, salva, vais dar ao mundo uma luz que vai deixar a própria luz mais clara. Instruída pelo oráculo, quis que a filhinha, ao renascer pelo sagrado batismo, se chamasse Clara, esperando que se cumprisse de algum modo, pelo beneplácito da vontade divina, a claridade da luz prometida.” (Legenda de Santa Clara)
Vitória da Encarnação: “Entre as luminosas Estrelas, que nesta parte meridional do Seráfico Orbe do Brasil, e Empório da Bahia, em que predomina e tem assento, e casa aquele celeste Astro, sempre novo em luzimentos, e aquela luz cândida, e apurada sempre em resplendores, a gloriosa Virgem e Ilustre Matriarca Santa Clara, foi uma, e muito especial, como verdadeira filha sua e serva de Deus a Madre Vitória da Encarnação.
Madre Vitória da Encarnação nasceu aos seis de março do ano de mil seiscentos e sessenta e um, na grande e populosa cidade do Salvador, Bahia, Metrópole, e corte do Brasil, sendo batizada no mesmo ano na antiga Sé da Bahia. Lhe foi posto o misterioso nome de Vitória. Foram seus pais Bartolomeu Nabo Corrêa, valoroso capitão de Infantaria, e Dona Luiza Bixarxe, ambos nobres por geração, e muito mais pelas virtudes, com que se ajustaram ás leis do Santo Matrimonio, de cujos virtuosos, e louváveis procedimentos se conservam nesta nobilíssima cidade muito vivas as lembranças. Madre Vitória teve um irmão e três irmãs, dos quais escolheu três, Deus Nosso Senhor para a sua glória, levando-os na infância.”
Santa Clara aprendeu de sua mãe a cultivar a santa oração, em que, orvalhada muitas vezes pelo bom odor, foi praticando aos poucos a vida virginal. Como não dispunha de contas para repassar os Pai-nossos, usava um monte de pedrinhas para numerar suas pequenas orações ao Senhor.
Transbordando de perfumes, mesmo fechada em sua casa, sua fragrância atraía, como um cofre de aromas. Sem o saber, começou a ser louvada pelos vizinhos. A justa fama divulgou seus atos secretos e se espalhou no povo a notícia de sua bondade.
Como os pais de Vitória sabiam se conformar com a Divina vontade de Deus, lhes foram deixadas para consolação duas filhas, as quais eles criaram com tanta devoção, e recolhimento que em toda a cidade foi notório, tanto assim, que vulgarmente se comparava a casa do capitão Bartolomeu Nabo Corrêa pai de Madre Vitória com a clausura do mais Religioso Convento de freiras, porque nunca lhe viram porta, ou janela aberta. Assim, Vitoria, com uma vida penitente, e fervorosa oração, desbaratou, e venceu ao príncipe das trevas, produziu Rosas triunfantes, e Vitórias odoríferas.
“Clara de Assis não é importante somente como a companheira de São Francisco, mas é um forte exemplo do Movimento Religioso Feminino dos séculos XII e XIII. Exerceu uma influência muito grande entre as mulheres de seu tempo a tal ponto que Hortolana, sua mãe, Inês e Beatriz, suas irmãs de sangue, Inês de Boêmia, e tantas mulheres a seguiram. Clara foi a primeira mulher a escrever uma Regra própria para mulheres.
As Irmãs de Santa Clara, tiveram que observar a Regra de São Bento até 1219, a do Cardeal Hugolino até 1247, a de Inocêncio IV até 1253 e foi nesse ano, que finalmente Santa Clara viu sua Regra ser aprovada dois dias antes de sua morte. Ainda assim, dez anos depois da morte de Clara o Papa Urbano IV impôs sua Regra às Clarissas. Com Santa Coleta de Córbia no século XV, a Regra de Clara foi recuperada para os Mosteiros que ela reformou, as Clarissas Coletinas. No século XVI a bem aventurada Maria Lorenza Longo fundou as Clarissas Capuchinhas seguindo a Regra de Santa Clara com Constituições próprias. A maior parte dos mosteiros continuou a usar até o século XX a Regra de Urbano IV. Com o Concílio Vaticano II e as Constituições de 1988 resgatou-se novamente a Regra de Santa Clara, que atualmente é seguida pela maioria dos Mosteiros das Clarissas.
Em sua vida Clara iluminou seu século; após sua morte não cessa de atrair atrás de si inumeráveis seguidoras. As clarissas de todo o mundo caminham até Deus guiadas por sua luz. Vivem na Igreja segundo a forma de vida do Santo Evangelho que é o próprio Cristo.
A Ordem de Santa Clara se propagou de tal modo, que cerca de 80 Mosteiros foram fundados quando Santa Clara ainda vivia, mas em meados do século XVI ainda não havia Clarissas na América. Depois da Segunda Guerra Mundial o chamado para Missão se tornou universal e os critérios de escolha das missões evoluíram. Os Mosteiros do velho Continente europeu começaram um novo e forte movimento missionário no início do terceiro milênio rumo ao Novo Mundo. As Clarissas, canonicamente estabelecidas nas Américas, aparecem pela primeira vez nas Antilhas, na ilha de Santo Domingo em 1551. O primeiro Mosteiro de Clarissas no Brasil foi fundado na Bahia, em Salvador, no ano de 1677, por Clarissas provenientes de Évora, Portugal, foi nesse Mosteiro que a serva de Deus Madre Vitória da Encarnação ingressou aos 25 anos de idade no ano de 1686.
“O Mosteiro Nossa Senhora do Desterro daOrdem de Santa Clara na cidade de Salvador, na Bahia foi o primeiro mosteiro de Vida Religiosa feminina no Brasil. Esta fundação foi solicitada pelos oficiais da Câmara de Salvador, pela nobreza e pelo povo ao Rei de Portugal, Dom João IV na data de 13 de setembro de 1644. Depois de inúmeras vicissitudes históricas, somente em 1677, no dia 9 de maio, chegaram a Salvador quatro Clarissas do Mosteiro de Évora, Portugal.
Consta que as obras de construção terminaram em 1726. O Mosteiro desenvolve-se em torno de dois claustros, inserindo-se a igreja num dos seus lados e um mirante, que aí foi empregado pela primeira vez na Bahia, dedicado a duas padroeiras simultâneas: Santa Clara (fundadora das irmãs clarissas), e Nossa Senhora do Desterro (em honra ao período em que a Sagrada Família necessitou mudar-se para o Egito. Daí o nome do Convento de Santa Clara do Desterro.
O objetivo das fundadoras era implantar a vida clariana no Mosteiro do Desterro, segundo a Regra de Urbano IV (1263), depois retornariam ao seu local de origem. Foi o que realmente aconteceu em 1687, dez anos depois de sua chegada. À partida das fundadoras, assumiu o serviço de abadessa a primeira brasileira, Irmã Marta de Cristo. Apesar da triste realidade deste tempo com o regime de classes que também adentrou os Mosteiros, destacaram-se algumas irmãs por seu exemplo de santidade. Entre elas, a mais conhecida até os nossos tempos a serva de Deus Madre Vitória da Encarnação, baiana, cujo processo de canonização está em andamento.
Em 7 de setembro de 1744, saíram deste mosteiro do Desterro duas irmãs para fundarem o Mosteiro de Nossa Senhora da Lapa adotando a Regra de Santa Beatriz da Silva, onde viveu a religiosa concepcionista baiana mártir da Independência brasileira Madre Joana Angélica de Jesus. O Mosteiro da Lapa, é o segundo mais antigo convento feminino fundado em solo brasileiro. Para fundar o Mosteiro de N. S. da Conceição da Ajuda, na cidade do Rio de Janeiro, saíram do Mosteiro do Desterro, quatro religiosas. O Mosteiro da Ajuda foi o primeiro mosteiro feminino do Rio de Janeiro e o terceiro do Brasil.
O Mosteiro do Desterro tornou-se um celeiro de vocações permanecendo assim por quase 200 anos.
Com o Decreto de 1855 que proibia que todas as Ordens religiosas existentes no Brasil e Portugal recebessem noviços, as irmãs do Desterro também foram impedidas de receberem novas vocações. No início do século XX foram feitos esforços para que a comunidade não se extinguisse. Na época só restavam três irmãs bastante idosas. Elas pediam que viessem Clarissas de outro país ou que alguma Congregação religiosa assumisse o mosteiro. Foi assim que as Irmãs Franciscanas do Sagrado Coração consolidaram no local sua obra de assistência e educação cristã. Em 1915 falecia a última Clarissa, com oitenta e quatro anos de idade. Parte do prédio do Mosteiro é patrimônio histórico, onde se conservam as relíquias da Venerável Madre Vitória da Encarnação, os documentos históricos e crônicas da fundação e um museu com riquíssimos objetos religiosos da época colonial, que pertenceram ao mosteiro.
Por treze anos não houve nenhum Mosteiro de Clarissas em nosso País, até que, em 1928, o antigo tronco refloriu. No dia 25 de setembro de 1928, aportaram no Rio de Janeiro oito irmãs provenientes Do Mosteiro de Clarissas Colentinas de Düsseldorf, Alemanha, fundando assim o Mosteiro Nossa Senhora dos Anjos da Porciúncula no Alto Gávea no Rio de Janeiro.
Atualmente a Ordem de Santa Clara no Brasil está presente no Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraíba, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Ceará, São Paulo, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Paraná e Bahia, em um total de 19 Mosteiros. Espalhada pelos cinco Continentes, a Ordem Santa Clara, é a Ordem contemplativa feminina, mais numerosa em todo o mundo.
A Vocação de Clara: Quando ouviu falar do então famoso Francisco quis logo vê-lo e ouvi-lo. Ele a visitou, e ela o fez mais vezes ainda. O pai Francisco exortava-a a desprezar o mundo, mostrando com vivas expressões que a esperança do século é seca e sua aparência enganadora. Instilou em seu ouvido o doce esponsal com Cristo, persuadindo-a a reservar a jóia da pureza virginal para o bem-aventurado Esposo a quem o amor fez homem.
Acesa no fogo celeste, desprezou tão soberanamente a glória da vaidade terrena que nada mais se apegou em seu coração dos afagos do mundo. Desejando fazer de seu corpo um templo só para Deus, esforçando-se por merecer as núpcias do grande Rei.
Então, submeteu-se toda ao conselho de Francisco, tomando-o como condutor de seu caminho, depois de Deus. Por isso, sua alma ficou pendente de suas santas exortações, e acolhia num coração caloroso tudo que ele lhe ensinava sobre o bom Jesus. Já tinha dificuldade para suportar a elegância dos enfeites mundanos e desprezava como lixo tudo que aplaudem lá fora, para poder ganhar a Cristo (cfr. Fl 3,8).
Bem depressa, para que o pó do mundo não pudesse mais empanar o espelho daquela alma límpida e o contágio da vida secular não fermentasse o ázimo de sua idade, o piedoso pai tratou de retirar Clara do século tenebroso
A Vocação de Madre Vitória: “O Sr. Bartolomeu, pai de madre Vitória desejando formar mais na fé religiosa a sua querida filha Vitória, fala com a jovem moça a respeito do ingresso no recolhimento do Desterro, tentando assim convencê-la do ingresso no mesmo, mas, a jovem moça não concordando com a proposta do seu pai, lhe diz que jamais entraria nesse lugar, pois ela possuía um certo horror a este ambiente. Assim dizia ela: “É mais fácil me cortar a cabeça do que escolher o estado religioso”. Tal era a repugnância que esta possuía da vida no convento. Mesmo assim, o senhor Bartolomeu busca ajuda do padre jesuíta João de Paiva para tentar convencer a jovem. Mas, nada nem ninguém a convencia do seu modo de pensar. Até aí Vitória nem imaginava os planos que Deus reservava para ela. Os caminhos do Senhor são diferentes dos nossos caminhos.
Certa noite ainda muito Jovem Vitória, sonhara com Nossa Senhora e o Menino Jesus que lhe mostraram umas flores muito belas e cheirosas. Vitória lhes pedem algumas, mas, o Menino Jesus lhe manda que fosse buscá-las no convento do Desterro porque lá havia com abundância e ela recusou o pedido de Jesus. Tal era o desprezo que a jovem possuía por este lugar. Este foi apenas o primeiro sonho preparatório para a mudança de Vitória. Mais dois sonhos estavam para vir.
Não bastando este primeiro toque da mão divina de Deus, um segundo sonho lhe veio numa outra noite. Na qual sonhara que estava em companhia do Menino Jesus andando por um campo colhendo flores, e o Menino a levava por um caminho que ela não sabia (não conhecia), e que advertindo que guiava para o convento do Desterro, ela lhe dizia: “Meu Menino para o Desterro nada, ide vós se quereis? Mas eu não”. E dizendo isto fugia correndo para casa.
Mas a menina ainda não entendia o que estava acontecendo diante destes avisos que o bom Deus lhe mandara a respeito de sua futura vocação religiosa. Por ela não se aperceber da bondade e dos planos que o Senhor lhes preparara, um terceiro sonho lhe é apresentado e, este, não tem mais as flores costumeiras dos dois anteriores mas, um sonho assustador enchendo-lhe de medo para que assim seja clara a sua santa vontade. E assim, Deus lhe toca com mais pesada mão.
Em mais uma noite, a jovem Vitória “sonha que estava a navegar em um grande navio, e em companhia de muitos passageiros, dos quais alguns deles estava sentados em cima da cobertura soprando-lhe um vento brando e favorável, e prosseguiam alegres e contentes a sua viagem; e outros dos quais se achavam também a jovem Vitória, metidos debaixo da coberta, e quase submergidos em água suja e fétida esperavam e temiam a morte em momentos.
E perguntando ela sem saber a quem, a causa da desigual sorte de uns, e outros navegantes? Lhes foi respondido, que nos que estava em cima da cobertura se representavam os religiosos, que sempre alegres e contentes pela paz, e sossego da boa consciência navegam na possante não da religião o tempestuoso mar do mundo ao Porto da glória. E que nos de baixo da cobertura temiam o naufrágio significavam os mundanos, que engolfados no turvo e fétido lodo de suas culpas, como desventurados baixeis se vão pouco a pouco submergindo no mar da morte, e abismo de penas infernais” (VIDE, X 1720, p. 14-15).
Foi através deste toque mais severo de Deus que a jovem Vitória despertou não só do sonho, a qual estava banhada em suores frios, naquela noite, e muito arrependida, mas, também do seu obstinado horror de seguir o Cristo na vida religiosa. Por isso, pediu perdão à Divina Majestade propondo com muita firmeza de ingressar na segura Barca da religião para evita o miserável naufrágio, que lhe mostrara o triste, e funesto sonho. E para a surpresa de todos, o milagre acontece. Vitória pede com insistentes rogos ao pai que deseja ingressar o mais rápido possível no convento do Desterro. Assim, como antes ela estava certa que não desejaria ingressar jamais naquele lugar, agora estava mais convicta ainda que deveria logo ingressar naquele convento.
“Pediu a seu pai instantemente posta de joelhos, que assim a ela como a sua irmã as recolhesse no mosteiro do Desterro com a maior brevidade, que lhe fosse possível” (VIDE, XI, 1720, p. 15)
O Sim de Clara: “Na noite do Domingo de Ramos Clara abandona o lar, a cidade e os familiares, e vai até Santa Maria da Porciúncula, onde os frades, recebem com tochas a virgem Clara. Com os cabelos cortados pela mão dos frades, abandonou seus ornatos variados.
Depois que a humilde serva recebeu as insígnias da santa penitência, São Francisco levou-a logo para a igreja de São Paulo, para que ficasse lá até que o Altíssimo dispusesse outra coisa.
Poucos dias depois, foi para a igreja de Santo Ângelo de Panzo, mas, não encontrando nesse lugar plena paz, mudou-se finalmente para a igreja de São Damião, a conselho do bem-aventurado Francisco. Aí, cravando já no seguro a âncora do espírito, não flutuou mais por mudanças de lugar, não vacilou diante do aperto, nem teve medo da solidão.”
O Sim de Vitória: “No dia 29 de setembro de 1686, ingressam no convento do Desterro na cidade do Salvador a Madre Vitória da Encarnação e sua irmã mais velha a Madre Maria da Conceição às 7:00h da manhã com grande piedade. Seus votos religiosos foram professados na Festa das onze mil Virgens, em 21 de outubro memória de Santa Úrsula, tendo como pregador Frei Euzébio de Matos da Ordem dos Carmelitas, que proferiu um belíssimo Sermão: “O mais heroico do martírio não consiste tanto em que o mártir queira padecer voluntariamente, quanto em que a sua vontade se conforme com a vontade de quem o faz padecer. Eu não sei com certeza que esta seja a verdade, porém assim o mostra a razão; e se porventura é assim, ser este ponto o mais árduo do sacrifício de todos os Mártires, foi também o mais alto ponto do martírio das onze mil Virgens; e quem deixa de ver também o estado que hoje professam, e o sacrifício que de si mesmas hoje fazem, como vítimas do amor, essas duas Esposas de Cristo? Os maiores mestres do estado Religioso todos nos advertiram, e ensinaram, que o nosso estado é um martírio; basta por todos S. Gregório Nazianzeno, e o qual admirando a vida de S. Basílio, chamou aos Religiosos, verdadeiros Mártires vivos, pois em que consiste este martírio dos Religiosos? E já que o nosso estado se deve chamar martírio, por que nos não chamaram Mártires mortos, senão Mártires vivos? Porque entre Mártires vivos, e Mártires mortos há esta diferença bem notável: que os Mártires depois já de mortos, e martirizados, ainda que os seus cadáveres estão sujeitos à vontade dos tiranos, já eles não são obrigados a conformarem-se com a sua vontade, porque já são mortos; e enquanto são vivos, não somente estão sujeitos à vontade dos tiranos, senão que se devem conformar com as suas vontades; antes não só se devem conformar, senão que o devem querer; devem gozosa, e generosamente estar querendo todos aqueles tormentos, com que o seu próprio tirano os quiser estar martirizando. Pois esta é a maior dificuldade dos Mártires vivos; e esta a maior obrigação dos Religiosos verdadeiros; devem não só sujeitar-se à vontade de seus Prelados, senão, que se devem resignar na sua vontade; antes não só se devem resignar com o que eles ordenam, senão que devem querer o mesmo que eles querem.”
Para Santa Clara, “era-lhe familiar o pranto pela paixão do Senhor: ou hauria das sagradas chagas a amargura da mirra, ou sorvia os mais doces gozos. Embriagavam-na veementemente as lágrimas de Cristo sofredor, e a memória reproduzia frequentemente aquele que o amor lhe gravara fundo no coração.
Ensinava as noviças a chorar o crucificado dando junto o exemplo do que dizia. Muitas vezes, ao exortá-las a isso em particular, vinham-lhe as lágrimas antes de acabarem as palavras.
Entre as horas do dia, em geral era mais tocada de compunção em Sexta e Noa, para imolar-se com o Senhor imolado.
Para nutrir a alma sem cessar nas delícias do Crucificado, ruminava frequentemente a oração das cinco chagas do Senhor. Aprendeu o Ofício da Cruz composto por Francisco, o amante da cruz, e o repetia com o mesmo afeto. Cingia embaixo da roupa, sobre a carne, uma cordinha com treze nós, lembrança secreta das feridas do Senhor.” (Legenda de Santa Clara Virgem)
“Era grande o espírito de sacrifício da serva de Deus Madre Vitória da Encarnação. Em seu tempo, dava-se, na Igreja, um lugar especial aos sofrimentos do Senhor. Prova disso era a devoção – que ainda persiste – ao Senhor Bom Jesus, sob vários títulos: do Bonfim, dos Passos, da Lapa etc.; prova disso eram as procissões penitenciais e a valorização de sacrifícios que buscavam unir os fiéis aos sofrimentos que Cristo enfrentou e viveu em sua Paixão. Em outras palavras: tentava-se colocar em prática o que Paulo escreveu aos cristãos de Éfeso: Cristo quis reconciliar com Deus os judeus e os pagãos, unindo-os num só corpo, “por meio da cruz”, por meio de seu sangue.
Madre Vitória da Encarnação assumiu essa proposta com determinação, o que fez com que ela levasse uma vida sumamente austera, marcada por cilícios, jejuns e renúncias. Hoje, muitos dirão: Como isso era possível? Não havia exageros naquilo que ela fazia? Se formos perguntar aos atletas que estão competindo nos Jogos Pan-Americanos do Canadá o que eles tiveram que enfrentar para tentar ganhar uma medalha, que não levarão consigo para a eternidade; se interrogarmos as modelos e as atrizes de novela sobre as renúncias que fazem para manter seu corpo em forma; se formos entrevistar aqueles que frequentam academias para ter um corpo sarado, veremos que os sofrimentos e as renúncias se repetem ao longo dos séculos, e quase que num mesmo grau. O que muda é a motivação: uns enfrentam tudo isso por Jesus Cristo, em vista dos irmãos e da eternidade; outros, por um momento de glória ou por dinheiro.” ( Dom Murilo S.R. Krieger, scj)
Clara, “Já morta na carne, estava tão alheia ao mundo que ocupava sua alma continuamente em santas orações e divinos louvores. Tinha cravado na Luz o dardo ardentíssimo do desejo interior e, transcendendo a esfera das realidades terrestres, abria mais amplamente o seio de sua alma para as chuvas da graça.
Depois de Completas, rezava muito tempo com as Irmãs, e os rios de lágrimas que dela brotavam excitavam também as outras. Mas depois que elas iam repousar os membros cansados nas camas duras, ela ficava rezando, vigilante e incansável, para recolher então o veio do sussurro furtivo (cfr. Jó 4,12) de Deus, quando o sono se apoderara das outras. Muitas vezes, prostrada em oração com o rosto em terra, regava o chão com lágrimas e o acariciava com beijos: parecia ter sempre o seu Jesus entre as mãos, derramando aquelas lágrimas em seus pés, a que beijava.” ( Legenda de Santa Clara Virgem)
A vida de Madre Vitória da Encarnação foi marcada por uma intensa vida de oração. Dom Sebastião escreveu a esse respeito: “Ao exercício de tão rigorosas penitências, costumava Madre Vitória ajuntar o da oração fervorosa… Passava a noite em vigílias… Dormia de duas a três horas. Gastava o resto da noite, que sempre era a maior parte dela no coro, velando como tocha acesa no amor divino diante do Santíssimo Sacramento, com os braços em cruz, como outro Moisés, ou prostrada em terra, como Cristo Nosso Senhor no Horto, ou em alguma outra devota postura; e depois de longa oração, percorria ora o Caminho da Via Sacra, ora os Passos com a Cruz às costas, e coroada de espinhos”.
Pelas almas do purgatório ela fazia orações, oferecia sacrifícios e obras de humildade, queria, favorecê-las…, encurtando o tempo de seu padecimento. Nesse sentido, invocava particularmente o Arcanjo São Miguel, convencida de que a “esse bendito alferes da Milícia Celeste” cabia o cuidado das Almas do Purgatório. .” ( Dom Murilo S.R. Krieger, scj)
“Clara, pedra primeira e nobre fundamento de sua Ordem, tratou de levantar desde o começo o edifício de todas as virtudes sobre a base da santa humildade. De fato, prometeu santa obediência ao bem-aventurado Francisco e não se desviou em nada do prometido. Três anos depois da conversão, recusando o nome e o cargo de abadessa, preferiu humildemente submeter-se a presidir, servindo entre as servas de Cristo e não sendo servida. Por fim, obrigada por São Francisco, assumiu o governo das senhoras. Daí brotou em seu coração temor e não enchimento, crescendo no serviço e não na independência.
Quanto mais elevada se viu por esse exterior de superioridade, mais se fez vil aos próprios olhos, disposta a servir, desprezível na aparência. Não recusava nenhum trabalho servil. Costumava derramar água nas mãos das Irmãs, assistindo-as enquanto sentadas e servindo-lhes a comida.
Custava-lhe dar uma ordem, mas estava pronta a fazer por si. Preferia fazer ela mesma a mandar as Irmãs. Lavava pessoalmente as cadeiras das doentes e as enxugava com seu espírito nobre, sem fugir à sujeira nem ter medo do mau cheiro.
Com frequência lavava e beijava os pés das serviçais quando voltavam de fora. Uma vez, estava lavando os pés de uma delas e, quando foi beijá-los, a Irmã não suportou tanta humildade, puxou o pé de repente e bateu com ele no rosto de sua senhora. Esta voltou a tomar o pé da serviçal com ternura e lhe deu um beijo apertado sob a planta.” ( Legenda de Santa Clara Virgem)
“A serva de Deus Madre Vitória da Encarnação, desapegada de tudo o que é mundano, quis fazer-se a menor de todas e aquela que servia a todas. Dotada de imensa caridade para com os mais desvalidos, desejou viver como uma escrava a adotou para si o estilo de vida das servas que viviam no mosteiro servindo as religiosas. Fazia suas refeições sentada no chão, como era costume entre os escravos da época, corria para fazer os trabalhos que ninguém queria, e por querer ser a menor de todas, foi diversas vezes ridicularizada e até mesmo agredida, levando uma bofetada de uma das servas a quem ela tanto servia e quis se fazer semelhante. Cuidava daquelas que adoeciam, levando-as para sua própria cela e de lá só saiam quando completamente curadas. Suportou diversas humilhações calada e com paciência, pois considerava-se digna de todas aquelas ofensas.” ( Paulo Thadeu Souza Santos)
“Santa Clara de Assis, Logo no começo de sua conversão, desfez-se da herança paterna que recebera e, sem guardar nada para si, deu tudo aos pobres. Depois, deixando o mundo lá fora, com a alma enriquecida interiormente, correu livre, sem bolsa, atrás de Cristo. Fez um pacto tão forte com a santa pobreza, tanto amor lhe consagrou, que nada queria possuir nem permitiu que suas filhas possuíssem, senão o Cristo Senhor.
Recebia muito alegremente as esmolas em fragmentos e os pedacinhos de pão levados pelos esmoleres. Parecia ficar triste ao ver pães inteiros e pulava de alegria diante dos restos.
Para que falar tanto? Ela se esforçava por conformar-se na mais perfeita pobreza com o pobre Crucificado, para que nada de perecível afastasse a amante do amado ou a impedisse de correr com o Senhor” ( Legenda de Santa Clara Virgem)
A serva de Deus Vitória da encarnação “Viveu inteiramente dedicada aos pobres, doentes e desamparados que procuravam o mosteiro em busca de socorro. Pela sua grande caridade recebeu dos pobres o apelido de “madre Esmoler”. Quando exercia o cargo de porteira, grande quantidade de pessoas dirigia-se à portaria para pedir-lhe algum auxílio. Atendeu a todos quantos podia, e de dentro da clausura recomendava aos seus familiares que cuidassem daqueles pobres e doentes que ela não poderia socorrer, mas que estavam necessitados. Doou em vida tudo o que possuía aos pobres, inclusive a cama na qual dormia, passando então a dormir no chão sobre uma esteira de palha. Por esse motivo, não morreu em sua própria cela.
Quando estava prestes a falecer foi levada para a cela de outra clarissa, pois suas irmãs não quiseram deixá-la morrer no chão: “Fez a Madre Vitória, antes de morrer, diversas recomendações às suas irmãs. Não queria possuir nada no dia da sua morte; queria ser enterrada sem caixão e usando o hábito religioso das outras, pois já não queria levar consigo nada que tivesse lhe pertencido na terra. Pediu ainda que fosse levada à sepultura pelas mãos das moças que serviam ao convento, pedido este que as irmãs disseram que não seria atendido, pois somente a elas cabia levar seu corpo. Madre Vitória teria então profetizado que seu corpo não sairia dali se não fosse pelas mãos das moças. O que veio a acontecer, pois quando as irmãs levavam o esquife com seu corpo para a sepultura, o mesmo tornou-se tão pesado que não saía do lugar. Somente quando chamaram as moças, conforme o pedido da madre, é que o esquife tornou-se leve e pode ser levado pelas mãos das mesmas.
Faleceu em odor de santidade às 3 horas da tarde de uma sexta feira, 19 de julho de 1715 com 54 anos de idade. Durante as primeiras horas após sua morte um suave perfume inundou o convento e pode ser sentido por todas que ali habitavam. Realizando seu desejo, as monjas vestiram-na com peças dos hábitos religiosos das mesmas. Uma cedeulhe o véu, outra a túnica, outra o cordão, sendo enterrada livre qualquer coisa que tivesse lhe pertencido em vida. No local de sua morte conservase uma pequena placa de pedra onde lê-se: “Aqui morreu M. Vitória 19 de julho de 1715”.