A vida de Francisco esteve toda marcada pela Palavra. No início de sua aventura evangélica, foi a Palavra que lhe mostrou o que devia fazer (cf. 1Cel 22), e no fim de seus dias, seria novamente a Palavra a acompanhá-lo em seu glorioso trânsito (cf. 1Cel 110). A Palavra foi sua companheira de caminhada em cada instante, até deixar-se penetrar totalmente por ela:
“Já aprendi tantas coisas na Bíblia que para mim é mais do que suficiente meditar e recordar. Não preciso de mais nada, filho, conheço o Cristo pobre e crucificado”.
(2Cel 105)
Não admira, pois, que todos os seus Escritos, das Orações às Regras, passando pela Cartas e pelas Admoestações, estejam repletos de citações bíblicas, até apresentar-se como autênticos mosaicos escriturísticos. A Palavra do Senhor é perfumada e Francisco, embriagado de sua fragrância (cf. 2Fi 2-3).
O simples e idiota Francisco, como ele próprio costumava se apresentar (cf. Ord 39), sem maior instrução, isto é, sem uma formação própria do clérigo ou do letrado de então, tinha tal conhecimento da Palavra que “penetrava nas realidades escondidas dos mistérios e o que era inacessível à ciência dos mestres, abria-se a seu afeto cheio de amor” (2Cel 102). Sem ser mestre na arte de falar, ele resolvia questões difíceis e, como Jó (cf. Jó 28,11), iluminava os pontos obscuros, chegando a revelar aquilo que o texto escriturístico escondia aos estudiosos.
Como era possível? A resposta nos é dada por São Boaventura:
“Não admira, pois, que o santo tenha recebido de Deus a compreensão das Escrituras, já que, pela perfeita imitação de Cristo, trazia impressa em suas obras a verdade delas e, pela plena unção do Espírito Santo, possuía em seu coração o Mestre das sagradas letras” .
(LM 11,2)
Se somente amando-o se conhece a Deus, Francisco conhece a Deus e seus segredos ocultos na Palavra, porque ama. Se o Pai revela seus segredos aos simples (cf. Lc 10,21-22; Dn 2,22; Eclo 4,18),
Para Francisco, a Palavra não era um texto de ontem, mas de hoje e para o hoje de Francisco, como aparece quando diz: o Senhor me disse no Evangelho…, e não, naquele tempo disse Jesus, como era normal citar os ditos de Jesus. Francisco não estudou, mas viveu a Palavra, com simplicidade e pureza, tal como declara ter escrito sua Regra, que quer ser apenas um eco do Evangelho (cf. 2Cel 208).
Mas Francisco cresceu na compreensão da Palavra graças à meditação assídua daquilo que escutava. Era tão fiel a essa prática que não podia deixar de escutar a Palavra nem nos dias de sua enfermidade. Prova-o especialmente o fato de ter mandado escrever um evangeliário (copiar a Bíblia toda era caro demais) para seu uso. Desse modo, a Palavra, escrita na Antiga Aliança sobre pedra (cf. Ex 31,18), gravava-se agora em seu coração (cf. 2Cel 102), graças também à memorização daquilo que escutava. Isso permitia-lhe meditar e saborear constantemente a Palavra, mesmo sem ter o texto diante de si, e permitia que a Palavra germinasse e frutificasse diariamente em sua vida.
Por isso, não é de estranhar que, na Palavra, Francisco encontrasse o dinamismo mais profundo de sua vida evangélica, o motor de arranque de sua caminhada espiritual. Como os Padres da Igreja, lendo a Bíblia, não lia simplesmente os textos escritos por mão de homem, mas por Cristo vivo e Cristo lhe falava. Encontrando-se com a Palavra, o Poverello não se encontrava com um texto a ser interpretado, mas com o próprio Cristo, que pede para ser escutado. Para ele, escutar a Palavra não era ler um livro, mas acolher o Cristo vivo, participar do Banquete da vida, no qual o próprio Cristo se faz nosso alimento. Essa fé na presença real de Cristo em sua Palavra é o que explica a profunda veneração de Francisco pela Palavra:
“Admoesto e exorto a todos os meus irmãos em Cristo a que, onde encontrarem as palavras divinas escritas, da maneira como puderem, venerem-nas e, no que lhes compete, se elas não estiverem bem colocadas ou se em algum lugar estiverem dispersas sem a devida honra, recolham-nas e guardem-nas, honrando o Senhor nas palavras que ele falou”.
(Ord 35-36)
E o que pedia a seus irmãos, ele próprio o fazia, como pessoalmente anota Frei Leão no breviário que se conserva no protomosteiro de Santa Clara em Assis: “Ouvido ou lido o Evangelho, o bem-aventurado Francisco beijava sempre o Evangelho com a máxima reverência ao Senhor”.
Francisco viveu em clima de escuta atenta da Palavra e esta transformou sua vida. Não estranha, pois, que nas últimas exortações aos irmãos “antepôs o santo Evangelho às demais instituições” (2Cel 216). Era o mais belo presente que recebera do Senhor e o melhor que poderia deixar a seus irmãos.
Fonte: Carta do Ministro Geral “Guiados pela Palavra, Mendicantes de sentido” – Frei José Rodríguez Carballo, ofm