São Francisco sabia ler e escrever, embora com certa dificuldade, e compôs ele mesmo um Ofício da Cruz, ou Ofício da Paixão, com muitas passagens dos salmos e dos evangelhos que ele guardara de memória com amor. A palavra “Paixão” tem aqui um sentido mais amplo: é todo o mistério de Deus ter vindo ao mundo por nosso amor: Seu Nascimento, Vida e sofrimentos, Sua Ressurreição e Ascensão. Essa paixão de Deus era o centro da contemplação de Francisco. Com esses salmos, ele fez uma espécie de “Via-Sacra” literária, costurando passagens do Antigo Testamento e iluminando-as com toques profundos do Novo Testamento. Um dos aspectos mais importantes é este: quem reza é Jesus Cristo, e Francisco reza ao Pai com Ele. Essa relação mística com o Cristo sofredor fez surgir de forma cada vez mais clara, a consciência de uma identificação e de uma missão, um chamado à configuração com Jesus padecente em Seu “Amor até o fim”, com valor de redenção, reparação, expiação e satisfação, no qual Ele substitui nossa desobediência por Sua Obediência amorosa, feliz, fiel e total ao Pai. O modo com que Francisco, em seus salmos, mergulha na paixão de Cristo e ora ao Pai com Jesus sofredor, dão certamente uma chave para compreendermos as fontes espirituais da sua estigmatização no monte Alverne. Um dos aspectos mais interessantes é perceber como o sofrimento de Jesus -e de Francisco- nunca é tenebroso: a Encarnação é como disseram os anjos, uma grande alegria; a Cruz é uma vitória de amor e obediência com Seu “consumatus est” ao Pai Amado; a Ressurreição, uma antevisão da glória e da felicidade que vamos viver juntos em Deus.
Cada um dos momentos que Jesus passou é revivido por Francisco na meditação: ele assume os sentimentos de Jesus, Sua tristeza e angústia, mas também a confiança sem limites que Jesus tem no Pai, incluindo a vontade decidida de “fazer a vontade do Pai”, que Ele sabe ser uma vontade cheia de Amor infinito e verdadeiro. Assim, a luz do Novo Testamento jorra sobre o Antigo. E, no Alverne, o amante é tomado pelo Amado, numa intensidade muito além de todos os seus esforços pessoais, é por Ele configurado, purificado e unido, feito ícone vivo do Cristo Crucificado em Amor Inefável.
Oração: “Pai Santo, Vós me tomastes pela mão direita e me guiastes em Vossa vontade, e me acolhestes com honras. /Pois, que há para mim no céu? Fora de Vós, o que foi que eu desejei nesta terra? / Reparai e reconhecei que Eu sou Deus, diz o Senhor; dominarei sobre as nações e sobre toda a terra. / Bendito o Senhor Deus de Israel, que libertou com seu próprio sangue santíssimo as almas de seus servos e não vai abandonar nenhum dos que nEle esperam. /E sabemos que Ele vem, que virá para julgar o mundo com justiça”.