Francisco de Assis estava quase completamente cego quando compôs o Cântico das Criaturas. Porém, com um olhar de fé cheio de gratidão, ele contempla as maravilhas da criação e consegue captar a presença do Criador que lhes dá sentido. Todas as criaturas, espelhos das perfeições divinas, são irmãos e irmãs porque são obra e dom do mesmo Autor. Todos juntos constituem o coro da criação, que contempla, louva e agradece a Deus criador, “aquele grande esmoleiro” que dá com generosidade e bondade (2 Celano 77, FF 665). O Cântico é a expressão e a confissão conclusiva da vida do Pobre, que resume todo o seu caminho de conformação a Cristo, Filho amado. A sua fé na paternidade de Deus torna-se um cântico de louvor que proclama a fraternidade de todas as criaturas e a sua beleza. Na verdade, «Francisco contemplou, nas coisas belas, o Belíssimo, e, seguindo os passos impressos nas criaturas, procurou o Amado por toda parte. De todas as coisas fez uma escada para subir e alcançar Aquele que é todo desejável” (lenda maior 9, 1, FF 1162).
Celebrar o centenário do Cântico das Criaturas como Família Franciscana leva-nos a uma mudança radical na nossa relação com a criação, que consiste em substituir a posse pelo cuidado da casa comum. Na verdade, cada um de nós deve responder sinceramente a estas perguntas: como quero vivenciar o relacionamento com outras criaturas? Como um dominador que reivindica o direito de fazer com eles o que quiser? Como consumidor de recursos que vê neles uma oportunidade de obter alguma vantagem? Ou como um irmão que para diante da criação, admira sua beleza e cuida da vida? Estamos perante um desafio antropológico e ecológico que determinará o nosso futuro, porque está ligado ao futuro da nossa Mãe e Irmã Terra. Somos convidados a propor à sociedade contemporânea “a linguagem da fraternidade e da beleza na nossa relação com o mundo” (Laudato si’ 11).
A atual crise ecológica revela-nos que “o ambiente humano e o ambiente natural degradam-se juntos” (Laudato si’ 48). Esta consciência permite-nos compreender que o ambiente humano e o ambiente natural são protegidos e embelezados juntos, da mesma forma. Cuidar da casa comum sem cuidar da casa interior, do nosso coração, não é o caminho certo: precisamos de uma conversão que seja ecológica e integral ao mesmo tempo, porque “a crise ecológica é um apelo a uma profunda conversão interior ” (Laudato si’ 217).
De facto, o último verso do Cântico recorda-nos que só aqueles que têm um coração livre, capaz de deter a lógica do ódio e da vingança através do perdão, podem tornar-se instrumentos de reconciliação e de harmonia, uma profecia de fraternidade, como Francisco, que viveu «em maravilhosa harmonia com Deus, com os outros, com a natureza e consigo mesmo» (Laudato si’ 10).
Nosso estar em Cristo
«Louvado sejas, meu Senhor, com todas as tuas criaturas, especialmente o irmão Sol, que é dia e nos ilumina por ele. E é belo e radiante de grande esplendor: de Ti, Altíssimo, traz o sinal” (Cântico das Criaturas 3-4, FF 263).
Objetivo
Recuperar um olhar contemplativo capaz de reconhecer a presença e a beleza do Criador, que se revela em todas as criaturas.
Ações
• Dedique frequentemente tempo adequado à contemplação da criação, para captar a sua beleza e agradecer a Deus por isso.
• Usar o Cântico das Criaturas como inspiração para oração e meditação, para que nos ajude a compreender os laços que nos unem a todas as criaturas.
• Ler atentamente e pôr em prática com responsabilidade as propostas operativas presentes na encíclica Laudato si’, valendo-se dos numerosos auxílios que os vários departamentos da Família Franciscana publicaram.
Nosso ser irmãos
«Vós sois Trino e Uno… Vós sois beleza» (Louvores ao Deus Altíssimo 3-4, FF 261).
Objetivo
Redescobrir a importância da vocação de comunhão, inscrita no fato de termos sido criados à imagem e semelhança do Deus Trindade.
Ações
• Criar oportunidades de encontro com outros membros das famílias e fraternidades franciscanas, para descobrir a beleza e as coisas positivas que nelas se encontram e agradecer a Deus por elas.
• Identificar quais ações contribuem para deteriorar nossos vínculos com a criação, agravando a atual crise ecológica, para superá-las de forma responsável.
• Empreender um caminho decisivo de conversão ecológica integral, que nos permita cuidar da nossa casa comum, promovendo e fortalecendo nas nossas famílias e fraternidades as práticas de redução de resíduos, reutilização de materiais, reciclagem, uso responsável de recursos como a água, etc. .
Nosso estar em comunhão
“A própria criação será libertada da escravidão da corrupção para entrar na liberdade da glória dos filhos de Deus” (Rm 8,21).
Objetivo
Torna-nos conscientes da nossa responsabilidade eclesial na promoção da cura da relação entre o Criador e as criaturas e a recuperação da sua harmonia original.
Ações
• Aprofundar a consciência de que todos partilhamos a mesma casa e que, portanto, todos precisamos de cuidar dela.
• Promover iniciativas destinadas a alcançar uma economia inclusiva, em sintonia com a doutrina social da Igreja, como resposta concreta e alternativa às estruturas sociais que “descartam” pessoas não economicamente produtivas.
• Dar maior espaço e visibilidade aos grupos eclesiais de Justiça, Paz e Integridade da Criação.
Nosso estar no mundo
“Deus viu tudo o que tinha feito e eis que era muito bom” (Gn 1:31).
Objetivo
Crescer na consciência de que o ambiente humano e o ambiente natural protegem e embelezam-se mutuamente.
Ações
• Colaborar com todas as pessoas de boa vontade para tornar a casa comum mais habitável.
• Promover o networking com diversas organizações sociais e religiosas, que partilham connosco a preocupação de ouvir e responder ao clamor da terra e dos pobres.
• Promover uma cultura de diálogo e de fraternidade, essencial para superar a cultura do lucro e do desperdício, através de iniciativas que envolvam todos, sem distinção de língua, cultura, etnia ou religião.