Da dinastia real da Hungria, Cunegundes (Kinga) era filha do rei Bela IV e de Maria Láskaris, a bizantina. Era sobrinha de Santa Edviges e de Santa Inês de Praga; irmã das Bem-aventuradas Iolanda e Margarida; prima de Santa Isabel de Portugal; prima e cunhada da Bem-aventurada Salomé de Cracóvia; tia de São Luís de Tolosa. Muito trabalhou para a canonização de Santo Estanislau e Santa Edviges. Nasceu em 1224. Casou-se com Boleslau, príncipe de Cracóvia, em 1239, vivendo com ele durante 40 anos em virgindade. Após a morte do marido, tornou-se Clarissa em 1279, no Mosteiro de Stary Sacz, fundado por ela e o esposo em Sandeck. Ali, mais tarde foi abadessa. Morreu em 1292 e foi beatificada em 1690 pelo Papa Alexandre VIII. Foi declarada padroeira da Pôlonia e Lituânia por Clemente XI. Foi canonizada pelo Papa João Paulo II em Stary Sacz no dia 16 de junho de 1999.
Homilia de São João Paulo II na Canonização
de Santa Cunegundes
Dilectos Irmãos e Irmãs!
Há quase trinta e três anos pronunciei estas palavras em Stary Sacz, durante as celebrações do Milénio. Fi-lo evocando uma circunstância particular. De facto, apesar do mau tempo, chegaram àquela cidade os habitantes da Terra de Sacz e dos arredores, e toda aquela grande assembleia do Povo de Deus, sob a presidência do Cardeal Primaz Stefan Wyszynski e do Bispo de Tarnów, D. Jerzy Ablewicz, rezava a Deus pela canonização da Beata Kinga. Como, então, deixar de repetir estas palavras no dia em que, por disposição da divina Providência, me é dado proceder à sua canonização, como há dois anos me foi concedido proclamar Santa a Rainha Edviges, Senhora de Wawel? Ambas chegaram a nós da Hungria, entraram na nossa história e permaneceram na memória da Nação. Assim como Edviges, também Kinga resistiu à lei inexorável do tempo que tudo cancela. Passaram-se os séculos, e o esplendor da sua santidade não só não se extingue, mas brilha ainda mais para as gerações que se sucedem. Não esqueceram esta filha do rei húngaro, a Princesa de Malopolska, Fundadora e Monja do convento de Sacz. E este dia da sua canonização é a prova mais magnífica disto. Louvado seja Deus nos seus Santos!
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- Antes de percorrer espiritualmente as vias da santidade da Princesa Kinga, para dar graças a Deus pela obra da sua graça, quero saudar todos aqueles que estão aqui reunidos e a inteira Igreja da bonita Terra de Tarnów, juntamente com D. Wiktor e os Bispos Auxiliares D. Wladyslaw e D. Jan, e o caro Bispo Emérito D. Piotr. Cumprimento os Prelados húngaros e o Primaz, Cardeal Laszlo Paskai, assim como o Presidente da República da Hungria, Senhor Arpad Göncz, e o seu séquito. Saúdo todos os sacerdotes, os religiosos, as religiosas e de modo particular as Irmãs Clarissas. Dirijo uma saudação cordial aos nossos anfitriões – os habitantes de Stary Sacz. Sei que esta cidade é famosa pelo seu apego a Santa Kinga. Toda a vossa cidade parece ser o seu santuário. Saúdo também Nowy Sacz, uma cidade que sempre me fascinou com a sua beleza e o seu bom funcionamento. Com o coração abraço a inteira comunidade diocesana, cada família, as pessoas sozinhas, todos os doentes e quem participa nesta liturgia por meio da rádio e da televisão. Esteja convosco toda a graça d’Aquele que é fonte e fim de toda nossa santidade!
Na primeira Leitura escutámos um anúncio profético: «Uma luz brilhante iluminará também as regiões da terra. De longe, numerosos povos virão a ti, e habitantes de todos os extremos da terra virão visitar o nome do Senhor Deus» (Tb 13, 13). Estas palavras do Profeta referem-se antes de tudo a Jerusalém, a cidade marcada pela particular presença de Deus no seu templo. Contudo, sabemos que desde quando, mediante a morte e a ressurreição, «Cristo não entrou num santuário feito por mãos humanas, figura do verdadeiro santuário; Ele entrou no próprio céu, a fim de se apresentar agora diante de Deus em nosso favor» (Hb 9, 24), esta profecia cumpre-se sobre todos aqueles que seguem Cristo pela mesma via rumo ao Pai. Doravante, não mais a luz do templo de Jerusalém, mas o esplendor de Cristo, que ilumina as testemunhas da sua ressurreição, atrai para o santo nome de Deus as numerosas nações e os habitantes de todos os confins da terra.
Desde o seu nascimento, Santa Kinga experimentara de modo admirável esta salvífica irradiação de santidade. Com efeito, ela nasceu na família real húngara de Bela IV, da dinastia dos Arpádios. Esta estirpe real cultivava com enorme fervor a vida de fé e dela nasceram grandes santos. Dela provêm Santo Estêvão, o Padroeiro principal da Hungria, e seu filho Santo Emerico. Um lugar particular entre os santos da família dos Arpádios é ocupado pelas mulheres: Santa Ladislava, Santa Isabel da Turíngia, Santa Edviges da Silésia, Santa Inês de Praga e, enfim, as irmãs de Kinga – Santa Margarida e a Beata Iolanda. Não é óbvio que a luz da santidade da família conduziu Kinga ao santo nome de Deus? Podia permanecer sem algum vestígio na sua alma o exemplo dos santos pais, dos irmãos, das irmãs e dos parentes?
A semente de santidade lançada no coração de Kinga na casa paterna encontrou na Polónia um terreno fértil onde se desenvolver. Quando, em 1239, chegou primeiro a Wojnicz e depois a Sandomierz, ela entreteceu um vínculo cordial com a mãe do seu futuro esposo, Grzymislawa, e com a sua filha Salomé. Ambas distinguiram-se por uma profunda religiosidade, por uma vida ascética e pelo amor à oração, pela leitura da Sagrada Escritura e das vidas dos santos. A sua companhia cordial, especialmente nos primeiros e difíceis anos da sua permanência na Polónia, teve uma grande influência sobre Kinga. O ideal da santidade amadureceu sempre mais no seu coração. Procurando modelos a imitar, que correspondessem à sua categoria, escolheu como especial padroeira a sua santa parente – a princesa Edviges da Silésia. Quis, outrossim, indicar à Polónia um santo que pudesse tornar-se, para todos os estados e regiões, um mestre de amor à Pátria e à Igreja. Por este motivo, juntamente com o Bispo de Cracóvia, Prandota de Bialaczew, empenhou-se com esforços intensos na canonização do mártir de Cracóvia, D. Estanislau de Szczepanów. Exerceram, sem dúvida, uma grande influência na sua espiritualidade São Jacinto, seu contemporâneo, o Beato Sadok, a Beata Bronislawa, a Beata Salomé, a Beata Iolanda, irmã de Kinga, e todos aqueles que formaram um particular ambiente de fé na Cracóvia de então.
- Se hoje estamos a falar da santidade, do desejo e da obtenção da santidade, seria necessário perguntar-nos como formar ambientes que favoreçam a sua aspiração. O que fazer a fim de a família, a escola, o ambiente de trabalho, o escritório, as aldeias, as cidades e por fim o país inteiro se tornem uma morada de santos, que influenciem mediante a sua bondade, a fidelidade ao ensinamento de Cristo, o testemunho da vida quotidiana, alimentando o crescimento espiritual de cada homem? Santa Kinga e todos os Santos e Beatos do século XIII respondem: é preciso o testemunho. É necessária a coragem, para não esconder a própria fé. É preciso, enfim, que nos corações dos crentes exista aquele desejo de santidade, que forma não só a vida privada, mas influi sobre a sociedade inteira.
Na Carta às Famílias escrevi que «através da família passa a história do homem, a história da salvação da humanidade. A família acha-se no centro do grande combate entre o bem e o mal, entre a vida e a morte, entre o amor e quanto a este se opõe. À família está confiado o dever de lutar sobretudo para libertar as forças do bem, cuja fonte se encontra em Cristo Redentor do homem. É preciso fazer com que tais forças sejam assumidas por cada núcleo familiar para que, como se disse por ocasião do milénio polaco do cristianismo, a família seja ·fonte de Deus» (n. 23). Hoje, baseando-me na experiência perene de Santa Kinga, repito estas palavras aqui, entre os habitantes da Terra de Slaogonek}cz, os quais durante os séculos, muitas vezes à custa de renúncias e de sacrifícios, deram provas de solicitude pela família e de grande amor pela vida familiar. Juntamente com a Padroeira desta terra, peço a todos os meus compatriotas: que a família polaca mantenha a fé em Cristo! Perseverai com firmeza ao lado de Cristo, para que Ele permaneça em vós! Não permitais que nos vossos corações, nos corações dos pais e das mães, dos filhos e das filhas, se extinga a luz da santidade! O seu esplendor forme as futuras gerações, para a glória do nome de Deus! Tertio millennio adveniente.
Irmãos e Irmãs, não tenhais medo de aspirar à santidade! Não temais ser santos! Do século que está para terminar e do novo milénio fazei uma era de homens santos!
Esta sede foi viva no coração de Kinga. Com este desejo, ela meditava as palavras de São Paulo, que hoje escutámos: «Quanto às pessoas virgens, não tenho nenhum preceito do Senhor. Porém, como homem que pela misericórdia do Senhor é digno de confiança, dou apenas um conselho: considero boa a condição das pessoas virgens, por causa das angústias presentes. Claro, é bom que o homem continue assim» (1 Cor 7, 25-26). Inspirada por essa indicação, ela quis consagrar-se a Deus de todo o coração, mediante o voto de virgindade. Por isso, quando em consideração das circunstâncias históricas teve de se casar com o príncipe Boleslau, convenceu-o à vida virginal para a glória de Deus e, depois de uma prova de dois anos, os esposos confiaram às mãos do Bispo Prandota o voto de castidade perpétua.
Este modo de vida, hoje talvez difícil de ser compreendido, mas arraigado profundamente na tradição da Igreja primitiva, deu a Santa Kinga esta liberdade interior, graças à qual com toda a dedicação pôde preocupar-se, antes de tudo, das coisas do Senhor, levando uma profunda vida religiosa. Hoje relemos este grande testemunho. Santa Kinga ensina que tanto o matrimónio como a virgindade vivida em união com Cristo podem tornar-se uma via de santidade. Hoje, Santa Kinga põe-se como salvaguarda destes valores. Ela recorda que em nenhuma circunstância o valor do matrimónio, esta indissolúvel união de amor entre duas pessoas, pode ser posto em dúvida. Qualquer que seja a dificuldade, não se pode renunciar à defesa deste amor original, que uniu duas pessoas e é incessantemente abençoado por Deus. O matrimónio é a via da santidade, até mesmo quando se torna o caminho da cruz.
As paredes do convento de Stary Sacz, ao qual Santa Kinga deu início e onde concluiu a sua vida, parecem hoje testemunhar como ela apreciava a castidade e a virgindade, vendo justamente nesse estado um dom extraordinário, graças ao qual o homem experimenta dum modo especial a própria liberdade. E desta liberdade interior pode fazer um lugar de encontro com Cristo e o homem no caminho da santidade. Diante deste convento, juntamente com Santa Kinga peço de modo particular a vós, jovens: defendei a vossa liberdade interior! Uma falsa vergonha não vos impeça de cultivar a castidade! Os rapazes e as moças, chamados por Cristo a conservar a virgindade durante toda a vida, saibam que este é um estado privilegiado, através do qual se manifesta do modo mais claro a acção do poder do Espírito Santo.
Há ainda outra característica do espírito de Santa Kinga, unida ao seu desejo de santidade. Como princesa, ela soube ocupar-se das coisas do Pai também neste mundo. Ao lado do marido participou no governo, demonstrando firmeza e coragem, generosidade e solicitude pelo bem do país e dos súbditos. Durante as insurreições no Estado, a luta pelo poder num reino dividido em regiões e as devastadoras invasões dos Tártaros, Santa Kinga soube enfrentar as necessidades do momento. Com zelo esforçou-se pela unidade da herança dos Piast e para reconstruir o país das ruínas, não hesitando em doar tudo o que recebera em dote do seu pai. Ao seu nome estão ligadas as minas de sal-gema de Wieliczka e de Bochnia, nos arredores de Cracóvia. Teve em consideração sobretudo as necessidades dos seus súbditos. Confirmam-no as suas antigas biografias, testemunhando que o povo a chamava: «consoladora», «médica», «nutriz», «santa mãe». Tendo renunciado à maternidade natural, tornou-se verdadeira mãe de muitos.
Cuidou também do desenvolvimento cultural da nação. À sua pessoa e ao convento local está ligado o nascimento de verdadeiros monumentos da literatura, como o primeiro livro escrito em língua polaca: Zoltarz Dawidów – Saltério de David.
Tudo isto se inscreve na sua santidade. E enquanto hoje perguntamos: como aprender a ser santo e como actuar a santidade, Santa Kinga parece responder: é preciso ocupar-se das coisas do Senhor neste mundo. Ela testemunha que a realização dessa tarefa consiste num incessante esforçar-se para conservar a harmonia entre a fé professada e a vida. O mundo de hoje tem necessidade da santidade dos cristãos, que nas ordinárias condições de vida familiar e profissional assumem os próprios deveres quotidianos; e, tendo o desejo de cumprir a vontade do Criador e de servir os homens todos os dias, respondem ao seu eterno amor. Isto diz respeito aos vários sectores da vida, tais como a política, a actividade económica, social e legislativa (cf. Christifideles laici, 42). Não faltem nestes sectores o espírito de serviço, a honestidade, a verdade, a solicitude pelo bem comum, mesmo à custa de uma magnânima abnegação pessoal, a exemplo da Santa Princesa destas terras! Também nestes sectores não falte a sede de santidade, conseguida mediante o serviço prestado com competência, em espírito de amor a Deus e ao próximo!
Enquanto fixamos o olhar na figura de Kinga, surge um interrogativo essencial: o que a transformou numa figura que, num certo sentido, não passa? O que lhe permitiu sobreviver na memória dos polacos e, de modo particular, na memória da Igreja? Qual é o nome daquela força que resiste à lei inexorável do «tudo passa»? O nome desta força é o amor. O Evangelho hodierno, concernente às dez virgens sábias, fala precisamente do amor. Kinga foi decerto uma delas. Como elas, encaminhou-se ao encontro do Esposo divino, vigiou com a lâmpada do amor acesa, para não perder o momento da vinda do Esposo. Como elas, encontrou-O quando Ele estava a chegar e foi convidada a participar no banquete de núpcias. O amor do Esposo divino na vida da Princesa Kinga expressou-se com muitos actos de amor ao próximo. Foi precisamente aquele amor que fez com que o passar, a que está sujeito todo o homem sobre a terra, não cancelasse a sua memória. Após tantos séculos, hoje é a Igreja em terra polaca que o exprime.
«Os Santos vivem dos Santos e têm sede de santidade». Repito mais uma vez estas palavras aqui, na terra de Sacz. Kinga recebeu-a como dom em troca do dote que destinou ao socorro do país, e esta terra nunca cessou de ser sua propriedade particular. Ela cuida sempre do povo fiel que vive aqui. Como não lhe agradecer a protecção sobre as famílias, de maneira especial sobre as inúmeras famílias daqui que contam uma prole numerosa, para as quais olhamos com admiração e respeito? Como não lhe estar grato por ela impetrar para esta comunidade eclesial a graça de vocações sacerdotais e religiosas tão numerosas? Como não lhe estar reconhecido por nos reunir hoje aqui, unindo na comum oração irmãos e irmãs da Hungria, da República Tcheca, da Eslováquia e da Ucrânia, reavivando a tradição da unidade espiritual, que ela mesma formou com tanta dedicação? Repletos de gratidão, louvamos a Deus pelo dom da santidade da Senhora desta terra e pedimos-lhe que o esplendor desta santidade continue em todos nós. No novo milénio, esta magnífica luz irradie sobre todos os confins da terra, a fim de que venham de longe visitar o santo nome de Deus (cf. Tb 13, 13) e vejam a sua glória.
«Os Santos não passam».
Os Santos invocam a santidade.
Santa Kinga, Senhora desta terra, implora para nós a graça da santidade!
São João Paulo II – Stary Sacz, 16 de Junho de 1999