Meditações dos Frades Menores à espera do Papa em Assis

Tem por título “Senhora Santa Pobreza” o caminho de reflexão do Pe. Francesco Piloni, em vista da chegada de Papa Francisco à Basília da Porciúncula
Giotto di Bondone - Christ blesses the Mystic Marriage of St Francis with Poverty 1330 - (MeisterDrucke-174936)

Eugenio Bonanata e Daniele D’Elia – Cidade do Vaticano

Tem por título “Senhora Santa Pobreza” o caminho de reflexão do Pe. Francesco Piloni, ministro Provincial dos Frades Menores da Úmbria e da Sardenha, em vista da chegada de Francisco à Basílica de Santa Maria degli Angeli no dia 12 de novembro. Cinco etapas divulgadas através da WebTV dos frades, porziuncola.org, ao ritmo de uma por dia, até a véspera da visita

1ª Meditação – Franciscanismo e a Pobreza

“Franciscanismo e pobreza”: este é o tema que o padre Piloni escolheu para a primeira vídeo-meditação focada no significado do Dia Mundial dos Pobres que toda a comunidade eclesial, em 14 de novembro de 2021, celebrará pela quinta vez.

O Papa Francisco pede com insistência desde o início de seu pontificado, o nascimento de um “movimento de evangelização” que possa promover um encontro dos pobres “lá onde eles se encontram”. E é com esta intenção que o Papa voltará a Assis no dia 12 de novembro, para encontrar e ouvir quinhentas pessoas pobres em Santa Maria degli Angeli, nos lugares onde teve início o ensinamento de São Francisco. Ali, o Seráfico ensinou-nos a ver Cristo nos “pobres” e a fazer-nos “pobres entre os pobres”.

“Franciscanismo e pobreza são um binômio evidente e indissociável”, recorda portanto o padre Piloni. E podemos intuir isso pelas premissas da regra desejada pelo pobre de Assis para seus frades. Estes devem viver «na obediência, na castidade» e sobretudo «sem nada próprio».

Nesta renúncia à posse – explica o franciscano – consiste a verdadeira imitação do Evangelho e do exemplo de Cristo que, exortando os discípulos à verdadeira perfeição, ordena: «Vende tudo o que tens e dá aos pobres e terás um tesouro no céu”. (FF, 4)

Este – reitera o padre Piloni – é o coração do Evangelho e o Papa o sublinha quando afirma que “os pobres de todas as condições e de todas as latitudes nos evangelizam”, porque são capazes de nos remeter aos “traços mais genuínos do rosto do Pai.” Há uma “sabedoria misteriosa” que Cristo consegue transmitir precisamente por meio da pobreza e “compartilhando” este destino. (Mensagem para o Quinto Dia Mundial dos Pobres, 5)

Na sua reflexão, o padre Piloni fala em particular daquela passagem da Regra onde é recordada a imensa alegria que pode experimentar quem está para “abraçar esta vida”, na renúncia ao “ter mais” (FF, 117) e na consciência de que o maior “tesouro” que podemos desfrutar é o amor de Deus.

Francisco de Assis centrou-se no significado do Evangelho e o seu testemunho: “é preciso e não deve ser diluído nem esvaziado”. Ele não é simplesmente um “homem rico que se faz pobre”, mas compreendeu o sentido mais profundo da Encarnação, isto é, que Cristo assumiu todo o “sofrimento” e dor do homem. Essa pobreza, essa transitoriedade se tornou a “casa de Deus” e a ponte entre a terra e o céu. E é por isso que o Papa Francisco escreve que “os pobres são o sacramento de Cristo” e eles mais do que qualquer outro “representam sua pessoa e se referem a ele”.

2ª Meditação – com a doçura da alma se freia a cultura do descarte

A reflexão hodierna do padre Francesco Piloni inspira-se no episódio do encontro com o leproso narrado por São Boaventura de Bagnoregio, na Legenda Maior. Para entender melhor o ocorrido, segundo o ministro Provincial dos Frades Menores da Úmbria e da Sardenha, é necessário partir do pressuposto daquilo que o próprio Francisco afirma no início de sua Regra, ou seja, que antes de sua conversão “parecia algo muito amargo ver os leprosos” (FF, 110). Mas essa repugnância se transformou em “doçura de alma”. Do “choque” com uma realidade que causa medo e repulsa – comenta Pe. Piloni – passamos a um “encontro feliz”.

Na sociedade medieval, esses homens eram considerados párias, pessoas a serem marginalizadas. Confinados em leprosários, em locais de extrema solidão, viviam distante das cidades. Mas o pobrezinho escolheu se tornar um soldado de Cristo. E, portanto, deve “vencer a si mesmo” e deve descer do cavalo. (FF, 1034) Deve repensar seu comportamento, não deve “fugir”. Nessas feridas se esconde Cristo e Francisco começa a compreender isso.

Padre Piloni relê atentamente a turbulência interior vivida pelo Santo que, no final, “decide com base no que pensa, não no que sente”. Sua escolha de encontrar aquele homem, de abraçá-lo, não está subordinada a uma “reação” imediata e natural. Ele percebe que por trás daquela lepra pode haver uma “pérola” e que, portanto, pode ser uma ocasião privilegiada de Graça: é a “Santa Cruz” por meio da qual acontece a redenção (FF, 111). Naquela “ferida” da Criação, naquele sofrimento, existe um tesouro escondido.

Em 2013, dirigindo-se aos convidados do Instituto Seráfico de Assis, o Papa Francisco recordou que “no altar adoramos a Carne de Jesus” e nestes pobres e sofredores podemos encontrar “as chagas de Jesus” e essas chagas “têm necessidade de serem ouvidas”. Uma escuta constante, difícil, aquela indicada pelo Papa, e que não é fugaz. Trata-se de uma “relação” a ser cuidada e procurada, é uma questão de “acolher” e não “descartar”, ao contrário do que propõe a cultura dominante.

Devemos cultivar aquela “doçura de alma” conquistada por Francisco de Assis e da qual fala no início da Regra. Só com esse esforço, com essa “nova mentalidade”, afirma o padre Piloni, podemos evitar que nossos sentimentos adoeçam e adotar comportamentos malsucedidos.

O leproso fez de modo que o pobre obtivesse uma “sabedoria das profundezas”, prestou um precioso serviço ao Santo de Assis. Assim, olhando para o cotidiano de cada um, o franciscano medita sobre as impossibilidades necessárias que levam a uma vida nova. «O Salmo 84 – conclui – fala do vale das lágrimas que, se o atravessarmos, transforma-se em uma nova fonte de vida e dá novo vigor ao caminho”.

 

 3ª Meditação – a revolução da ternura se chama misericórdia

“Sem os pobres, tornamo-nos cada vez mais mundanamente sábios e espiritualmente mudos”: palavras do Papa recordadas pelo padre Francesco Piloni, no terceiro episódio do ciclo de meditações intitulado “Senhora Santa Pobreza”, em preparação à visita de Francisco a Assis.

O tema é uma continuação do anterior, ou seja, o encontro de São Francisco com o leproso, que representa um marco no itinerário de conversão do pobre de Assis. O padre Piloni, já no episódio anterior, destacou o que o próprio Santo declarou no incipit de seu Testamento. Usando de compaixão para com essas pessoas marginalizadas, ele experimentou uma “doçura da alma” e conseguiu superar aquele natural sentimento de desprezo, peculiar à fase anterior de sua vida.

“Uma Páscoa de gosto”, define-a o ministro Provincial dos Frades menores da Úmbria e da Sardenha, o início de uma existência completamente renovada. E não se trata de uma conquista imediata da alma, de uma elementar intuição. Como sempre, antes da luz existe a escuridão, antes da Páscoa o Calvário, um necessário “deserto educativo e formativo”. É um processo lento, que exige paciência e não admite atalhos: uma estrada difícil e cansativa.

Padre Piloni enfatiza que é justamente a companhia dos leprosos que abre o coração do pobre de Assis. E não tanto a leitura do Evangelho ou o convite que Cristo dirigiu a ele em São Damião. Para o Seráfico, os últimos não são meros destinatários de socorro e conforto, mas são a porta para chegar a Cristo. Ele “escolhe” compartilhar essa condição de total privação, bem sabendo que esta é uma “via por excelência para seguir os passos de Jesus”. Ele renuncia ao seu status privilegiado de comerciante, renuncia ao ambiente em que foi criado.

São Gregório exprime de forma magnífica o conceito compreendido por Francisco: “Aquele que dá a riqueza aos outros se faz pobre. Pede em esmola a minha natureza humana, para que eu me torne rico de sua natureza divina”.

E o Papa Francisco na homilia do dia 4 de outubro de 2013, na Solenidade do Santo, explicou claramente que o pobre desposou a “Senhora Pobreza” para “viver como verdadeiro filho do Pai que está nos céus”. E, sintetizando, continuou: “o amor pelos pobres e a imitação de Cristo pobre são dois elementos indivisivelmente unidos”.

Há alegria neste modo de viver “entre pessoas que não contam e desprezadas, entre pobres e fracos, entre enfermos e leprosos, entre mendigos” (FF, 30). E o Seráfico exorta os frades, na Regra, a se privarem de tudo e a viverem exclusivamente da esmola.

Nisto está a verdadeira imitação de “Jesus Cristo, Filho do Deus vivo e Todo-Poderoso” que, despojando-se de todo privilégio divino, “tornou o seu rosto como uma pedra muito dura”, e não se envergonhou de forma alguma desta condição. (FF, 31)

Eis então que “os pobres permanecem a cátedra dos Santos”, afirma padre Piloni, que reitera que são eles que nos dão os conhecimentos necessários para compreender em profundidade a nossa humanidade.

4ª Meditação – a visita do Papa a Assis inspire gestos concretos

A resposta do pobrezinho é concreta. Ele se oferece para cuidar dele pessoalmente e se coloca à sua inteira disposição. “Eu quero que tu me laves tudo, porque eu cheiro de maneira tão forte, que nem eu posso suportar”, pede o pobre homem. E é atendido!
 
Com devoção seus membros feridos são limpos pelas mãos do Seráfico e os “Fioretti” comentam o prodígio que socorre na alma: “Assim como a carne começou a sarar, da mesma forma passou a sarar a alma”. A misericórdia que lhe é oferecida – comenta o padre Piloni – permite uma cura total e atinge “as suas entranhas”, resgatando-o de uma situação de sofrimento físico e mental.
 
É o amor na aproximação que permitiu o milagre e qualificou essa relação de ajuda. “O modo como praticamos o amor é uma questão séria”, repete o religioso. Em outras palavras: a fonte do amor está em Deus e Cristo é o modelo da verdadeira caridade. E isso vale também hoje.
 
Padre Piloni identifica o componente afetivo da misericórdia como parte fundamental do testemunho. O exemplo citado é o de um jovem a serviço na Caritas que um dia, depois de entregar a cesta de comida por semanas a uma família que permanecia fria e distante, resolve levar um buquê de flores. “Finalmente você nos viu”, responderam os integrantes do núcleo familiar.
 
Eis o que significa “amar como Cristo ama”. A parábola do Bom Samaritano explica bem em que consiste esta misericórdia a ser imitada. O texto de Lucas conta que um incompreendido, espancado e atordoado por bandidos, é resgatado por um samaritano que o “viu”, “teve compaixão” e “cuidou” dele. Todas as etapas são importantes e indicam uma ação que começa com os olhos, para depois envolver o coração e as mãos.
 
Não é um simples “compromisso” com os pobres. Trata-se de um “comprometer-se”, explica padre Francesco, reiterando a necessidade de que um certo grau de afetividade seja ativado e que tudo seja alimentado no coração. Um cuidar sem amor equivale a uma atuação árida e vazia que no Evangelho é representada por aquele ir “além”, seguindo o próprio caminho. Como o sacerdote e o levita na parábola do Bom Samaritano.
 

5ª Meditação – hospitalidade é a verdadeira riqueza

A verdadeira bem-aventurança – recorda o padre Piloni – consiste em não se abalar quando as portas se fecham diante de nós, na pobreza de orgulho, em abandonar qualquer pretensão à fama e ao sucesso, em renunciar à consideração dos outros. E apesar da rejeição de outros, especialmente irmãos, continuar a considerá-los como tais.
 
“Por isso – diz o franciscano, prenunciando o encontro de sexta-feira na Porciúncula – teremos sempre conosco os pobres e toda a pobreza: para nos tornarmos conscientes e leais para viver plenamente a nossa liberdade, até a fraternidade que permanece o sonho de Deus”.
 
Para o Santo de Assis, o fato de depositar toda a confiança no Senhor representa um ponto de chegada: uma meta que ele soube conquistar depois de uma série de privações, como parte de um caminho de abnegação. São três momentos que marcam o seu caminho de conversão. Após o encontro com o leproso temos, simultaneamente, um despojamento de “bens”, dos “afetos” e do “eu”.
 
Um percurso que tem início na praça de Foligno, onde se desfaz de alguns tecidos e arrecada algum dinheiro com a venda do seu cavalo. Depois se refugia em São Damião e com o pouco dinheiro disponível dedica-se à restauração da capela. Por fim, em Assis, “tira todas as suas roupas e as devolve a seu pai” e, renegando-o, declara que coloca todos os tesouros “em Deus” e que a verdadeira paternidade é aquela celeste. (FF, 1043).
 
Na primeira parte do ensino, Francisco ditou o que não deve ser considerada como a verdadeira alegria. E isto é, “não é cultura ou o possuir muito” que nos tornam agradáveis a Deus. Padre Piloni comenta que não o nem mesmo o “poder político e eclesiástico” ou ser considerados “grandes” na sociedade. Com efeito – explica – nem é preciso viver o Evangelho na íntegra, ou saber converter à fé ou realizar prodígios: nada disso pode nos dar aquela alegria inefável de que falamos.
 

Fonte: Vatican News

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