Relatório enviado pelas Irmãs fundadoras do Mosteiro Santa Clara de Anápolis/GO aos benfeitores de Nova York conta com detalhes a viagem em que as Clarissas se aventuraram, 12 dias no navio, para chegas às terras brasileiras. Confira o texto na íntegra e a galeria de fotos das primeiras Irmãs.
Antes de iniciarmos a nossa viagem ao Brasil, tivemos uma semana muito atarefada, enfim, nossos caixotes estavam selados e prontos para serem despachados para o porto. A data marcada para o embarque seria: 14 de março de 1963. Finalmente, amanheceu o dia! E que DIA! Resplendente e ensolarado! Cada uma das Irmãs se vestiu com seu melhor hábito. Tomamos a última xícara de café com as nossas queridas Irmãs: assim pensávamos… quando através de um telefonema, fomos avisadas de que o navio foi detido pela neblina e ainda não havia chegado ao porto. De maneira que, não poderíamos embarcar na data combinada. Contudo, não ficamos muito tristes pois poderíamos passar mais um dia com nossas Irmãs as quais, talvez, jamais voltaríamos a rever, nesta vida. O ônibus que nos levaria ao porto chegou às 9h em ponto. Quando o motorista foi avisado de que só iríamos viajar no dia seguinte, levantou os braços e sorriu, prometendo voltar na manhã seguinte, no mesmo horário. O telefone tocava continuamente, durante todo o dia, pois muitos queriam saber se viajaríamos ou não na data marcada. Alguns parentes e amigos das Irmãs tinham ido ao porto e ficaram desapontados por não nos encontrar, mas todos foram muito bem recebidos pelos funcionários. Em seguida, se dirigiram ao Mosteiro para visitar as Irmãs, pois muitos não poderiam regressar no dia seguinte.
No “Gaudeamus” recreativo, daquela noite, comentávamos sobre todos os acontecimentos dos últimos meses, recordando, particularmente, a visita de nosso Cardeal Spellman que nos deu sua bênção, juntamente com um generoso donativo para nossa missão. Lembramos também todos os bens recebidos de nosso Provincial Frei Donald Hoag, ofm, no convento da Rua 31 em Nova Iorque. No dia anterior, ele nos telefonou para se despedir.
Jamais esqueceremos suas últimas palavras, sumário do sentido de nossa vocação franciscana: “Ide, reconstruir a Igreja na América Latina”.
Dia belíssimo, no mais esplêndido sentido da palavra! E marcante, também, principalmente para as dez Clarissas missionárias as quais estavam prontas para ajudar a reconstruir a Igreja na América do Sul. Monsenhor Halpin cantou solenemente a Santa Missa conventual. Mais tarde, o Pe. Fitzgerald, sj veio celebrar novamente a Ceia do Senhor, que foi seguida pelo canto de Itinerarium. Às 9h30min, estávamos à porta da clausura, nos despedindo de nossas Irmãs, muitas das quais, em lágrimas. Nossos olhos também estavam umedecidos, apesar do sorriso e alegria que inundavam nossos corações. Foi somente, após ter fechado a porta atrás de nós que realmente tomamos consciência de que jamais retornaríamos a rever nossas Irmãs e nosso mosteiro. Foi necessário, porém enxugar rapidamente as lágrimas pois monsenhor Donatus aproximava-se da calçada com uma máquina fotográfica na mão. Muitos de nossos amigos e vizinhos aguardavam no jardim da frente, também eles, com máquinas fotográficas. Mons. Halpin retornou, e conversávamos com ele, enquanto o motorista colocava nossa bagagem no porta-malas (ao todo 81 pacotes). Pe. Rooney e Pe. Redden também vieram se despedir e, de longe, outros membros da Casa paroquial abanavam a mão. Senhor Egan, diretor da Ordem Terceira e pai de dois Frades da Reconciliação, desejou-nos boa sorte, presenteando-nos com uma relíquia de São Pio X. Após o último adeus, os sacerdotes presentes deram a bênção às Irmãs que olhavam pela janela do ônibus. Acompanhou-nos ao porto nossas Irmãs Externas e a senhora Kelly a qual foi para nos ajudar. O senhor Richie Doyle e seus companheiros do cemitério São Raimundo iam a nossa frente numa caminhonete, levando parte de nossa bagagem. O nosso coração ainda se comove e se enche de gratidão quando pensamos no senhor Richie Doyle, pois jamais poderemos esquecer sua bondade e seu auxílio, nos dando os caixotes, as fechaduras e, especialmente, cuidando dos mínimos detalhes, até o final do embarque. Que Deus o abençoe!
Chegamos ao porto em Bush Terminal, Brooklyn, – mais ou menos às 11h Um homenzinho cujo nome era Black, entrou no ônibus e nos conduziu ao navio. Muitos dos parentes da Irmãs nos aguardavam e nos acolheram calorosamente com uma salva de palmas. A primeira coisa que observamos sobre o nosso “Estrid Torn” foi que a parte inferior do navio era de cor verde. Em poucos momentos, todos os temores, sobre uma viagem dessa, desapareceram quando começamos a subir a escada de metal. Logo, nos mostraram as cabinas. Ficamos surpreendidas ao ver a cama, e como era agradável a aparência alegre e espaçosa do quarto. Além do armário, do banheiro havia também um sofá. Não poderia ser melhor!
A sala de jantar estava ornamentada com muitas flores. Sobre a mesa havia frutas e toda espécie de guloseimas, tudo presente de Mons. McCormack e de nossos parentes e amigos. O navio foi ficando cada vez mais cheio de pessoas que iam chegando e nós nos mantínhamos ocupadas em cumprimentá-las. O senhor Steve Black mostrou-se como um bom amigo, ajudando-nos de diversas maneiras, zelando pela bagagem, a fim de que tudo estivesse em ordem. Quando Madre Maria Teresa tentou lhe oferecer uma gorjeta, ele a recusou.
De vez em quando, conseguíamos ver o Capitão George Hansen, e alguns marinheiros dinamarqueses. O Camareiro disse à Madre que o seu nome era Hans, depois ele sorriu alegremente quando ela o chamou de João. A Camareira Anna falava somente o inglês, porém seu sorriso falava por si, e disse ainda que cuidaria bem de nós. Também nos foram apresentados: o segundo Camareiro de nome Walter, e também Jans, o chefe da cozinha, e outro jovem Jans, o padeiro.
No meio de toda essa excitação, apareceu o agente do governo e nos colocamos em fila para apresentarmos nossos passaportes. Frei Aquino Redding que viajaria conosco chegou mais tarde, acompanhado de seus confrades Cormac Dungan, Athanasio McInerney e Alvin Hughes. Além de nós, havia também a bordo do navio muitos sacerdotes, irmãos e religiosas, como por exemplo Mons. Donatus, Irmãs de São José, Irmãs da Visitação de Maria Imaculada, etc. Os frades trouxeram um documento notificando que, por ordem da Cúria diocesana, todos estavam dispensados do jejum. Todos nós aplaudimos. Os parentes e amigos trouxeram bebidas, e a alegria foi geral. Nesse momento, apareceu inesperadamente Frei Benedict Dudley, e todas as Irmãs foram convidadas a subir ao convés, para tirar algumas fotos. Pouco depois, aproximou-se um barco de propulsão, no qual estava um grande amigo e benfeitor de nossa comunidade o Il.mo. Sr. McCallister, o qual financiou e tornou possível esta viagem. Todas queriam lhe manifestar sua gratidão, mas as palavras pareciam inadequadas. Só podíamos lhe dizer sussurrando que rezaríamos por ele. Somente na oração, podemos derramar, perante o Deus de amor, os sentimentos de gratidão de nossos corações. Deus o abençoará e lhe dará a recompensa de toda a bondade manifestada para conosco.
O navio deveria sair do porto às 16 horas. Tardou um pouco, e pelas 16h30min, as pessoas começaram a embarcar. Apesar das lágrimas que transbordavam, todos permaneciam calmos e felizes. Nossos familiares e amigos permaneceram no cais até às 19h15min, quando a placa de embarque foi elevada. Eles cantavam, e nós abanávamos os lenços. Depois, começamos a cantar com eles o hino Deus eterno a vós louvor. Já começava a anoitecer quando o navio começou a deslizar lentamente, afastando-se do porto. Mas qual não foi nossa surpresa ao ver que Pe. Fitzgerald ainda permanecia conosco. É que ele combinara com o Capitão que iria regressar no bardo de propulsão do Sr. McCallister. Pe. Fitzgerald nos deu sua bênção quando já desaparecia a silhueta de nossa cidade. Era difícil acreditar! Mas já estávamos a caminho do alto mar.
O jantar foi servido às 19h45min. Sentamo-nos à mesa juntamente com o Capitão, o Primeiro Comandante, o Primeiro Engenheiro, Frei Aquino e o Dr. Randwell. Estávamos silenciosas, ainda sob o impacto dos acontecimentos emocionantes do dia, e sem poder acreditar que, de fato, já estávamos a caminho…
Após o jantar, Frei Aquino nos deu a bênção e nos retiramos para arrumar nossos pertences em nossa cabina, sendo alertadas de que deveríamos guardar bem os objetos, pois poderia acontecer que as águas poderiam se tornar turbulentas. Ainda faltavam algumas orações para rezar, assim só conseguimos nos recolher após às 22 horas.
Acordamos às 5h30min. Rezamos Laudes, Prima e Tércia, antes da Santa Missa a qual foi celebrada às 7h Reunimo-nos no salão que logo denominamos de “Sala da Comunidade”. Frei Aquino já havia preparado tudo para a celebração. Lembramo-nos dos primeiros cristãos ao nos aproximar tão perto da mesa do Senhor. Ele nos avisou que deveríamos ficar sentadas a maior parte da Missa, por causa do movimento do navio. Ele celebrou a Missa votiva da Imaculada Conceição. Reinava o silêncio até o momento em que o rádio deu início às mensagens através do código Morse. Mas até conseguirmos o dial para desligá-lo, já havia parado e iniciado uma música, porém o restante da Missa seguiu normalmente. Como fomos privilegiadas de estar tão perto do altar do Senhor!
Rezamos Sexta e Noa, antes do café da manhã, que era servido às 8h Em seguida, fomos ao convés para a meditação. Não foi necessário o auxílio de um texto, pois o vasto mar e o céu falavam por si mesmos da majestade e do poder do Altíssimo. Estávamos cercadas por todos os lados do brilhante azul do mar, enquanto que por cima e no distante horizonte haviam nuvens que pareciam montanhas de neve.
Durante o café da manhã, alguém perguntou ao Capitão qual seria o próximo posto de parada dessa viagem. Grande foi a nossa surpresa quando ele disse que seria na cidade do Rio de Janeiro. Não nos entristece ter uma viagem sem paradas, exceto pelo fato de não podermos enviar uma comunicação aos nossos familiares, até chegarmos ao porto.
O almoço foi servido ao meio-dia. Era um “smorgensbord” (self-service), e tudo foi preparado tão graciosamente, com todo tipo de comida inimaginável. Havia dois cestos de flores na mesa que tornava tudo tão festivo! Não sabíamos qual a religião do Dr. Randwell, mas ele estava sempre presente, com muito respeito, enquanto rezávamos. Frei Aquino dirigia as orações. Dr. Randwell é bioquímico. Esteve trabalhando em Oklahoma e retornava à Argentina.
Parte da tarde, foi ocupada na arrumação de nossos pertences, depois decidimos dar uma volta pelo navio, e observamos que estava extremamente limpo. A tripulação continuava sempre trabalhando na limpeza ou na pintura do navio. Eles são bem reservados e parecem bom rapazes. Pelas 14h30min, rezamos Vésperas e Completas na “Sala da Comunidade”. Às 15hs, nos serviram café e chá. Frei Aquino e Dr. Randwell nos acompanharam e partilharam conosco das guloseimas. Rezamos o Ofício das Leituras às 16h30min. Em seguida, passamos a contemplar as ondas cobertas de espumas que à distância tinham a aparência de barcas à vela. A água é tão azul e, ocasionalmente, vimos algas marinhas, mas ainda não vimos peixes.
O jantar foi excelente, servido às 18h. Depois de responder diversas de nossas perguntas, o Capitão nos informou que estávamos mais ou menos a 150 milhas de distância do continente, no Oceano Atlântico, viajando contra corrente 16 nós por hora. Disse-nos ainda que o Primeiro Comandante iria pedir, cada dia, o mapa ao Piloto para que pudéssemos saber a localização do navio, e o progresso que estávamos fazendo na viagem. Também nos informou que a alga marinha estava atrapalhando, pois se enredava nas hélices e foram removidas, várias vezes.
A meditação da noite foi feita sob o céu estrelado.
Mais um belo dia que iniciou com a Santa Missa. Frei Aquino fez uma breve homilia, mostrando a semelhança de nossa vida com a vida de São Patrício, especialmente, a separação de nossos queridos por amor a Cristo. Falou sobre a Madre Seton que está sendo canonizada nesta data, e salientou a obrigação de todos nós sermos santos. Contou-nos também que alguns dos viajantes comentavam a nosso respeito, querendo saber o que é que nos faz tão felizes. Nós respondíamos no silêncio do coração: “Isso faz parte de nossa vocação clariana”. Uma clarissa infeliz ou triste seria um contra testemunho. Nenhum dos passageiros participava da Santa Missa. Percebemos que pouco ou nada sabem sobre Deus. Quando a Madre disse a Anna – “Deus te abençoe!” – ela ficou confusa e disse: “O que devo responder?” Rezamos por todos que viajam conosco, com a esperança de que Deus, na sua infinita sabedoria, lhes conceda a graça de O conhecer e amar. Após o café da manhã, todas fomos ao convés. Conforme o mapa do Piloto, estaríamos na região de Bermuda, sem contudo, ver qualquer sinal de terra.
Todas fomos almoçar, ornadas com algo de cor verde, pois com toda razão era a festa de São Patrício, padroeiro da Irlanda. Frei Aquino e o Doutor tinham um cravo verde na roupa. Frei Aquino colocou um chapéu verde na cadeira do Capitão e este ao vê-lo, levou-o logo à cabeça.
Quando vimos o Capitão, pela primeira vez, ele era reservado e nos causava um pouco de receio, mas aos poucos foi se tornando mais amável. Sem dúvida, ele percebeu que também nós, somos humanas. Após o café das 15h, frei Aquino nos convidou para jogar Bingo. Até o médico veio participar. Os prêmios eram balas verdes de menta e outras guloseimas que havíamos recebido de presente. Acabaram as fixas de marcar, então frei Aquino pediu ao Walter que nos desse alguns grãos de feijão. Quando Walter viu a finalidade do feijão, ficou muito surpreso!
Após o jantar, celebramos muito solenemente o dia de São Patrício, cantando músicas irlandesas, até à hora de nos recolher. Inclusive Anna entrou cantando: “Quando nossas cabeças se tornarem brancas”, em dinamarquês. Já eram perto das 21hs, quando Walter disse que os nossos relógios deveriam ser adiantados por mais uma hora. Havia chegado o momento de nos recolher.
Até esse momento, todas estavam passando bem. Graças a Deus! Procuramos nos bronzear. Uma das irmãs disse ter visto um peixe flutuando, mas ninguém acreditou. No convés, vimos esta tarde um navio, muito distante. Foi uma surpresa! Frei Aquino e o doutor viram-no também e foi melhor apreciado através do binóculo. Alguns dos tripulantes estavam na parte de baixo, no convés próximo, lixando e pintando algumas cadeiras para nós. Um deles, ao qual apelidamos de Sonny, nos tem prestado pequenos serviços. Ele tinha um par de binóculos, deixou-o lá, e desapareceu.
Às 14h30min, rezamos Vésperas de São José, e cantamos o Magnificat em latim e à tarde o “Salver Pater”.
No jantar, o Capitão nos informou que o navio que tínhamos visto hoje, era o “Liberdade” que se dirigia a Porto Rico ou a Nova Iorque. Quando ele mencionou, Nova Iorque, nós nos emocionamos bastante. Na meditação da tarde, agradecemos ao Senhor por nos ter mantido em Seus braços amorosos desde que saímos de casa. Realizava-se aquilo que nossos amigos disseram quando estávamos lá: “o navio será um Mosteiro flutuante”; e na verdade é justamente isso que se tem tornado.
Estabelecemos um horário. Levantamos às 5h30min e rezamos Laudes, Prima e Tércia, antes da Missa. Isso fazemos em particular, pois nesse horário Frei Aquino prepara o altar para celebração da Santa Missa. As flores se mantiveram bonitas e vivas até agora, e temos dois ramalhetes de rosas sobre o altar. Rezamos, em seguida, Sexta e Noa, após a Missa, pois o café seria servido às 8h Tínhamos tempo de fazer a meditação, rezar a Coroa Franciscana, como também executar alguns trabalhos necessários. O almoço é servido sempre às 12hs, seguido de um intervalo que pode ser usado para fazer leitura espiritual. Vésperas e Completas são rezadas às 14h30min., na “Sala Comunitária”. Temos um período de recreio durante o café da tarde.. Após um pequeno intervalo, rezamos Matinas às 16h45min. Antes do jantar, temos mais meia hora de meditação. Após o recreio da noite, rezamos Completas e, em seguida, nos retiramos para dormir.
O tempo continua muito bonito. Hoje, o oceano está bem calmo, com o ondular audacioso das ondas, e contemplando-o, pensávamos que parecia estar cheio de diamantes cintilantes com o reflexo do sol. Anna parou para conversar com a Madre esta manhã, e disse que gostava muito das Irmãs. Ela comentou que geralmente os passageiros se queixam de alguma coisa, mas que as Irmãs são felizes e contentes. Ela está tentando memorizar o nome de cada uma e está conseguindo.
Descobrimos que havia um cachorrinho no navio. Seu nome é Chess e pertence à tripulação. Tentamos fazer amizade como ele, mas sempre foge. O Capitão disse que ele não está acostumado com mulheres.
O sol está fazendo um bom trabalho em nós. Algumas Irmãs estão começando a ter a aparência de Rodolph, a rena de nariz vermelho, e decidiram cobrir o nariz com um pedaço de papel. Ficaram, porém, surpresas quando ouviram uma risada do convés superior. Era o Capitão que as observava. Hoje vimos os peixinhos voadores. Pareciam aviões de brinquedo, voando de um lado para outro, em pequenos vôos. Gostamos de vê-los.
O Capitão nos disse que seu nome é George, e em dinamarquês significa “pai”. E de fato, ele é muito paternal. Quando estamos à mesa, ele verifica tudo para ver se temos comida suficiente, e brincando, ele falou para o Walter esta manhã: “a gente precisa de óculos para ver esse bacon”.
À noite, nos serviram um gostoso pudim de laranja coberto de creme de nata. Várias tigelas ficaram vazias, então o Capitão pediu ao Walter que fosse à cozinha e trouxesse mais. Ficou admirado quando viu que estas, também, ficaram vazias.
Scrabble (um jogo de letras) e Moça-velha (jogo de cartas) estavam no programa recreativo da noite. Se os queridos benfeitores que nos deram estes jogos, pudessem ver quanto divertimento e alegria nos proporcionaram, ficariam muito felizes. O médico que viajou conosco no navio de carga, justamente para evitar a vida social do navio de passageiros, disse-nos que, de fato, ele espera ansiosamente pelo momento de nosso recreio da noite, no qual ele se diverte bastante.
Hoje, relembramos de um modo especial nossa querida Irmã Maria Benedita. Como de costume, após o café da manhã, subimos ao convés, mas precisávamos de ter muito cuidado, pois os rapazes andaram pintando várias partes do navio, e havia tinta fresca em vários lugares.
Chess, o cachorrinho, estava com a tripulação, mas quando ele nos viu, se escondeu e precisou ser conquistado para sair de seu esconderijo. Ele deixou que o acariciássemos, mas logo procurou voltar ao seu esconderijo.
Algumas procuraram experimentar as cadeiras que foram pintadas, e de fato, eram muito confortáveis. Aconteceu que até chegamos atrasadas para o almoço, e os presentes nos aguardávamos de pé. E tivemos de nos justificar, dizendo que, a culpa era das cadeiras, onde nos recostamos e depois dormimos.
Ainda não tínhamos visto nenhum sinal de terra desde que iniciamos a viagem, mas apenas o mar e os peixinhos voadores que, com o passar do tempo, se tornaram mais numerosos.
Nossos jogos da tarde e da noite estão se tornando cada vez mais participativos e fascinantes. Até Anna e Walter aguardam sua vez para participar do jogo conosco. Hoje, à noite, o Copeiro veio nos dizer que devemos adiantar os relógios por mais uma hora.
Segundo o mapa do Piloto, estamos passando pela Ilha Trindade. Apesar de não vermos nada, é bom saber que estamos progredindo. Na hora do café da manhã, Dr. Randwell disse que muitos dos tripulantes faziam perguntas sobre nós, mas ele disse que não sabia respondê-las, exceto, que somos as pessoas mais alegres que já viu. Disse que gostaria de visitar nosso mosteiro algum dia. (Mas isto nunca aconteceu). Sendo as pessoas mais felizes que ele já viu… – fez-nos pensar muito e foi o tema de nossa meditação da tarde. As incontáveis bênçãos que temos recebido de nosso Deus de amor, certamente, é que nos devem fazer felizes. Como nos sentimos protegidas e guardadas de todo contato com o mundo, mesmo em nosso mosteiro flutuante. Temos um Sacerdote que é nosso capelão e que nos traz nosso Senhor, cada manhã, zelando por nossas necessidades espirituais e nos demonstra muita fraternidade, através de seus atos de bondade. Isto e milhares de outras coisas fazem parte dessa alegria de coração que é nossa herança franciscana.
Inesperadamente, choveu esta manhã. Foi a primeira chuva que tivemos desde que iniciamos a viagem. Vestimos nossas capas e subimos ao convés. Frei Aquino tomou uma capa emprestada e foi conosco. A chuva durou apenas 10 minutos. Madre Teresa e algumas Irmãs ficaram no convés inferior e nos disseram que havia nevado, pois havia pequenos flocos nas nossas capas de chuva. Quando a Madre, na hora do almoço, contou isto ao Capitão, ele se divertiu muito e disse que os rapazes estavam no convés superior, esfregando, e muitos flocos de sabão haviam caído no convés inferior. Isto foi uma verdadeira anedota.
O Capitão nos informou que às 15h, estaríamos cruzando o Equador. Realmente, às 15hs o apito do navio soou. A Madre e algumas Irmãs correram para fora pensando que iriam ver alguma coisa diferente, porém voltaram um pouco desapontadas, dizendo que tudo permanecia igual.
No café da tarde, o Capitão nos entregou um diploma. Anna e Walter passaram a tarde ocupadíssimos, enfeitando a sala de jantar para a festa. Tivemos uma boa celebração com brindes para o Capitão, seguido de um delicioso peru assado. A Madre Teresa deu ao Capitão um palhacinho de nariz vermelho que a Madre Miguel havia colocado, na última hora, na bagagem e lhe disse para jogá-lo no Equador. O Capitão deu uma grande sorriso e colocou o palhacinho ao lado de seu copo de vinho, dizendo: “É por isso que tem o nariz vermelho!”
Hoje pela primeira vez , o Capitão e o primeiro Comandante vieram conversar conosco naquela sala de recreio. O Capitão contou-nos muitas histórias de mar, também um pouco sobre sua pessoa e sua família. Sua esposa e cinco filhos estão na Dinamarca. Seu filho primogênito, com 23 anos, já está sendo treinado em outro barco dinamarquês. Quando nos narrava uma de suas aventuras sobre o mar, a Madre lhe perguntou: O Senhor não estava com medo? – Qualquer pessoa, respondeu ele, que tenha medo nós colocamos um sinal sobre nele e o sinal significa: Não serve para este serviço. Para nossa maior surpresa o Capitão e o primeiro Comandante pediram para entrar em nosso jogo de Moça-velha. Então a Madre disse com admiração: Ah! Precisamos ver isto. Estes dois grandes homens dinamarqueses, homens do mar, jogando Moça-velha? Frei Aquino, o Doutor, a madre e algumas Irmãs jogaram, enquanto o restante observava o desenrolar do jogo. Até os tripulantes ficaram no vão da porta observando tudo. Era bem divertido mesmo! Eles jogavam como profissionais astutos, como se fosse um jogo de poker. O Capitão riu mais alto do que todos, e queria continuar jogando. Houve uma grande comoção quando o primeiro Comandante se tornou “Moça-velha”. Após observar a carta do baralho por alguns instantes, o Capitão o consolou dizendo: Mas ela não é tão feia, não é mesmo?”
Embora o Ofício Divino não mencionasse o Arcanjo São Gabriel, nós recordamos que era o onomástico de Ir. Maria Gabriela, e gostaríamos de homenageá-la. Na homilia, Frei Aquino nos lembrou que o amor de Deus é manifestado para com os homens através da alegria e felicidade, sem deixar espaço para autocomiseração ou ansiedade. Exortou-nos a deixar tudo na misericordiosa bondade de Deus. Este pensamento nos serviu como ponto de partida para nossa meditação.
Esta manhã, vimos um navio cargueiro que estava indo para a África. Pouco depois, vimos um barco que se aproximava do navio com a aparência de um barco de guerra.. Ficamos apreensivas, especialmente quando vimos a tripulação elevar em seguida a bandeira dinamarquesa. O médico nos disse que era um navio da patrulha brasileira, cercando-nos para eventuais investigações. Quando eles viram a bandeira, os marinheiros brasileiros acenaram para nós. Agora estamos em águas brasileiras, e sob a proteção brasileira.
Tivemos nossa primeira vista de relance da terra. Primeiramente pudemos ver ou distinguir um pouco a sombra do horizonte, mas gradualmente, com o auxílio do binóculo, pudemos avistar as colinas, a relva, a praia e algumas casas. É que estávamos passando ao redor da Corcova do Brasil. Frei Aquino e o médico se divertiram, explicando para nós o porquê de nosso navio estar seguindo o mapa do Piloto – cercando a Corcova.
Pouco antes do jantar, aconteceu um incidente muito cômico. A Madre Teresa, voltando do convés foi lavar as mãos. Tinha se esquecido, por um momento, que estava em alto mar, e como o barco deu um súbito solavanco, ela agarrou-se ao objeto mais próximo para não cair. Aconteceu que estava agarrada à torneira do chuveiro e se molhou toda. Começou a chamar pelas Irmãs enquanto tentava fechar a torneira. Nisso se agarrou em outro objeto, era uma torneira de água salgada. Quando as Irmãs chegaram para socorrê-la, encontraram-na ensopada. Ela teve que ficar no sol pelo menos por 10 minutos, para secar sua roupa.
Hoje, agradecemos à Nossa Senhora, durante a Santa Missa cantada, pelo seu Fiat. Após a Missa, cantamos o hino: “Quão puros, frágeis e brancos são os flocos de neve”. Depois rimos, pois estávamos num clima tropical. Frei Aquino nos avisou que nos daria uma conferência às 16h
Nessa tarde, Anna teve um tempinho livre e veio jogar conosco a “Moça-Velha”, e nós lhe demos um presente. Era uma bonequinha de pano que ela gostou muito. Walter disse que viria na manhã seguinte. Mais ou menos pelas 16h15min, estávamos na conferência, quando Walter apareceu com esta notícia: havia um bando de golfinhos ao redor do barco. Sem dúvida, Frei Aquino achou que era mais proveitoso meditar sobre a humildade de Nossa Senhora do que ir ver os golfinhos. E continuou a conferência. Mais tarde, quando saímos, os golfinhos haviam desaparecido. Mas os pensamentos sobre Nossa Senhora ficaram conosco, e quando vimos o sol se pôr atrás de nuvens brancas, lembramos a beleza de sua vida escondida.
À hora do almoço, cantamos uma canção para o Capitão George, e ele se sentiu comovido. Estávamos aguardando uma oportunidade para lhe falar sobre Deus, e até então não havíamos obtido sucesso. Então decidimos, que talvez através de uma canção, seria o melhor meio. Demos a Frei Aquino uma cópia da letra para ele cantar conosco.
Para o Capitão George
Música: Adeus amor eu vou partir
Segue a tradução em português
Refrão: Adeus, boa sorte, que Deus vos abençoe!
É o que queremos lhe dizer.
Adeus, Adeus, Deus vos abençoe,
Hoje e para sempre.
Ao Capitão do Estrid Torm
Devemos nossa gratidão
Todas desfrutamos de feliz viagem.
Foi toda maravilhosa até o fim
Sabemos que o que é bom dura pouco.
E há muitos sentimentos que não verbalizamos.
Sempre nos lembraremos como o Capitão George,
Não conseguimos torná-lo Moça-Velha.
Para os Comandantes do Capitão e toda sua tripulação
Desejamos a bênção de Deus e toda a paz.
Por toda a bondade que tiveram para conosco
Que a vossa felicidade aumente sem cessar.
Mas agora o litoral do Brasil se aproxima.
E iremos ancorar no cais.
Não sabemos se nos encontraremos outra vez,
Mas para vocês sempre rezaremos.
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Outros navios começaram a aparecer e foram sempre mais numerosos. Hoje, conseguimos ver mais terra. A cidade se chama Natal. O Capitão nos convidou às 13hs, para subirmos na ponte, e mostrou-nos o maravilhoso equipamento, como por exemplo, o radar e o instrumento que detecta fumaça ou fogo, etc. Então, quando chegamos ao leme, ele convidou Madre Teresa para conduzir o navio. Nesse momento, ele riu gostosamente quando algumas Irmãs foram correndo para traz para ver o curso do navio que ziguezagueava. De lá, tiramos algumas fotos. O Capitão nos falou sobre fatos interessantes acerca de Cabo Frio o qual estávamos passando, e o qual podíamos ver sem binóculo. Vimos, também, alguns tubarões, mas estes estavam bem distantes do navio.
Durante o jantar, o Capitão relatou sobre seus planos de amanhã. Ele esperava chagar ao Rio pelas 17hs, mas pretendia pernoitar na enseada e ir para as docas na manhã seguinte. Ele receava não encontrarmos lugar para pernoitar naquela hora.
Durante a recreação, relembramos juntos sobre os incidentes dos últimos 11 dias. Todos concordaram que não poderiam ter sido melhores, felizes e tão cheios de graça. A alegria de ter a Santa Missa, a comunhão diária, as conferências dadas por Frei Aquino, os períodos de silêncio e de meditação no convés, foram tal como talvez nunca mais os experimentaríamos. Ao chegar ao fim de nossa viagem, pudemos ver como Deus tem sido maravilhoso para conosco.
O Sr. MacCallister havia dado à Madre Maria Teresa um dinheiro para ela dar gorjetas, e então, nessa manhã, ela deu sua volta pelo navio, distribuindo o donativo à tripulação. Tanto Anna como Walter relutaram em aceitar qualquer coisa, mas a Madre insistiu. Anna estava em lágrimas quando nos disse que custava muito se separar de nós, logo que chegássemos ao Rio. Foram vários tripulantes que a Madre visitou e os fez felizes com a gorjeta: o camareiro, o cozinheiro, o padeiro, etc.
Eram mais ou menos 17h quando pudemos ver a cidade do Rio de Janeiro. Que alegria, que gozo e que felicidade experimentamos ao ver a estátua de Cristo Redentor e o Corcovado! O Cristo de braços abertos, dando-nos as boas-vindas por nossa chegada ao Brasil. Foi como se Ele dissesse para nós, como disse a nossa Mãe Santa Clara: Eu sempre vos guardarei. Em breve, já não precisaríamos de binóculo, pois estávamos na enseada e podíamos ver tudo claramente. Poucos minutos depois, ouvimos o barulho de um motor, era um barco. Ele se aproximou do navio com cinco fiscais do governo. Entrando no navio, fomos chamadas para assinar nosso passaporte. Eles foram muito corteses, mas não demoraram muito.
Logo que nos sentamos à mesa, entrou um frade franciscano. Era Frei Beraldo McInerney. Ficamos surpresa com a sua presença. Imediatamente, a surpresa e alegria se transformaram em consternação quando ele nos disse que iríamos sair do barco, após o jantar, ao contrário do que estava planejado, isto é, no dia seguinte. Todas rimos quando ele nos disse: “Levem apenas o que têm na cabina”. Ele não sabia que tínhamos 81 volumes. Foram momentos de excitação. Só tínhamos poucos minutos para recolher os últimos pertences e fechar as malas, pois a barquinha a motor estava nos esperando. O Capitão disse que ele preferiria que esperássemos até a manhã seguinte, mas Frei Beraldo, bondosamente, mas com firmeza disse que não. Ele sabia que o navio não poderia atracar no porto senão depois de vários dias. Imaginem! Mesmo sem entender o porquê de tanta agitação, foi um gesto sábio. O tempo urgia, e Frei Beraldo andava pelos corredores batendo palmas exigindo que saíssemos. Foi uma verdadeira confusão, quanto tentávamos colocar os pertences dentro das malas e bolsas e tentar fechá-las. Finalmente, 10 monjas fizeram fila com toda a sua bagagem. Quando Frei Beraldo viu os 81 volumes, e o tamanho do barquinho que nos esperava, tomou uma rápida decisão: “Levem somente uma bolsa e eu voltarei amanhã para pegar o restante”. Ninguém sabia exatamente, qual mala deveria levar, então cada uma pegou aquela que estava mais próxima. Já escurecia… Madre Maria Teresa foi a primeira a descer os degraus da rampa de desembarque. Não era uma escada com degraus firmes, mas quase em pé, e balançava de um lado para outro, ao sabor das ondas. Como a Madre conseguiu descer e até entrar no barco, somente Deus o sabe. Quando chegou a nossa vez, (aqui entre nós), Frei Beraldo decidiu pegar cada uma e colocá-la dentro do barco, pois a distância era grande e um movimento em falso, ambos teriam caído na água, pois a barca se afastava lentamente do navio. Pobre frade!!! Tínhamos os bolsos cheios de tudo, pois as mãos precisavam ficar livres para nos agarrarmos bem. Uma Irmã levava uma garrafa de vinho no bolso e outra, uma plantinha de espinhos e esta planta certamente deve ter ferido o frade. Apertadinhas umas contra as outras, na luz tênue da chama do lampião daquela lancha, que mais se assemelhava a uma embarcação chinesa, parecíamos um grupo de fugitivas naquela noite. Dentro daquela barca, sentadas em dois bancos com a bagagem no centro, éramos como sardinhas enlatadas. Frei Beraldo, Frei Aquino e alguns dos tripulantes permaneceram de pé na traseira do barco. Ao começarmos a viagem em direção ao porto, Frei Beraldo dirigiu-se a nós, com voz muito calma, dizendo: “cantem o Ave Maris Stella”. Todas ficamos surpresas com tal pedido, e cantamos o melhor que nos foi possível. Finalmente, chegamos ao porto e os jovens do Estrid Torn nos ajudaram a sair e tiraram nossa bagagem. Ao se despedirem de nós, nos desejaram boa sorte. A Madre lhes deu uma nova gorjeta. Só depois que a Madre notou que em vez de lhe dar uma nota de um dólar havia lhe dado duas de 10 dólares. Frei Beraldo viu o que ela fez e depois nos disse: “A Madre estava distribuindo notas de 20 dólares”. Quando nós brincamos com ela, relembrando o fato, ela nos disse: “Coitado do rapaz, certamente ele estava precisando!”
Que recepção calorosa nos aguardava! Fomos acolhidas de braços abertos pelas franciscanas Madre Maria dos Anjos, das Irmãs de Allegany e Madre Maria Elisabeth, da Congregação das Irmãs Franciscanas dos Pobres. Frei Beraldo estava ocupado com os funcionários da alfândega, pedindo lhes que não nos retivessem. Uma das Irmãs carregava uma caixinha de metal que originalmente continha uma máquina de escrever, mas que naquele momento, servia como bagagem de mão. O senhor da alfândega apontou com o dedo para a tal bagagem, querendo saber o que continha. A Irmã abriu a caixa e lhe mostrou o conteúdo: um cordão, uma caneta, durex, etc. Ele sorriu com bom humor e nos acenou para continuar, e não pediu para olhar mais nada. Em questão de pouco tempo, Frei Beraldo providenciou um ônibus e um táxi para nos levarem ao Cenáculo no Rio, onde iríamos pernoitar, enquanto ele e Frei Aquino se dirigiram ao convento dos frades.
Quando o ônibus ia se deslizando pelas avenidas do Rio, tivemos a impressão de estarmos na Rua 42 de Nova Iorque, com uma diferença, as gigantescas palmeiras. O tráfico estava intenso e o motorista pediu desculpas, várias vezes, explicando-nos que um jogo de futebol seria realizado naquela noite. Chegamos ao Cenáculo às 20h30min, onde nos aguardavam mais uma calorosa acolhida. Vieram ao nosso encontro duas figuras vestidas de branco com a aparência de anjos. Eram Madre Elisabeth White, superiora do Cenáculo de Nova Iorque e também superiora regional do Brasil, e Madre Zélia, superiora do Cenáculo do Rio. Madre White gritou: “Dêem vivas às do Bronx”, o que logo nos fez sentir em casa. Elas nos abraçaram e nos conduziram à Capela, onde as Irmãs estavam terminando o Ofício de Completas. As outras Irmãs vieram em procissão ao nosso encontro, saindo da clausura e entrando na Igreja onde estávamos, e cantaram o “Salve Regina” e o “Magnificat”. (Nota: Foi um encontro emocionante o de Madre Teresa com Madre White! Elas se abraçaram calorosamente, pois se conheciam antes de entrarem na Vida Religiosa, e só neste momento tiveram a oportunidade de se encontrarem depois de tantos anos). Nossos corações estavam transbordando de gratidão a Deus e em nossos lábios ecoavam as palavras do apóstolo: “Senhor, como é bom estarmos aqui!” Madre White nos levou a uma sala onde cumprimentamos as Irmãs. Pouquíssimas Irmãs falavam o inglês, mas todo o esforço que fizeram para nos entender, enterneceu nossos corações. Dentro da clausura nos aguardava uma deliciosa refeição. Fomos tratadas como rainhas, e cada uma recebeu um quarto. Sobre cada cama haviam adornos com santinhos, cartões de orações, cumprimentos da boa Madre White. Depois de um dia tão atribulado e de diferentes eventos, nos foi oferecido um banho de chuveiro, e não demoramos a adormecer.
A Santa Missa no Cenáculo foi celebrada às 6h15min. Após um saboroso café com pãezinhos, bananas e laranjas, nos levaram para conhecer o convento. É um grande edifício parecido com uma vila espaçosa, com seis gigantescas palmeiras no centro do claustro e com bananeiras no fundo. Vimos, também, bambus, cactos e uma grande variedade de flores belíssimas. Parecia um paraíso! No segundo andar, havia um grande terraço de onde podíamos ver claramente o Cristo Redentor e o Corcovado.
Frei Beraldo chegou um pouco depois das 8hs, e disse-nos que, com Madre Maria Teresa e outra Irmã, iria buscar o restante da bagagem. Todas queríamos ir, mas ele disse que não seria necessário. Então, a bondosa Madre Elisabeth e Suzana, uma brasileira que morava no Cenáculo, decidiram planejar um passeio ao Corcovado. Até lá fomos de ônibus, e depois tomamos o trenzinho que lentamente nos conduziu até ao cimo do Corcovado. Foi uma experiência maravilhosa, e o panorama nos deixou extasiadas. O dia estava quente. Ao chegarmos ao pé do monte, Madre Elisabeth, como uma boa mãe, comprou-nos sorvete. Depois continuamos a subir a pé. Ficamos um pouco desapontadas quando percebemos que apesar de ser um dia ensolarado a neblina cobria tudo. Era preciso um milagre para remover toda essa neblina, sussurrou em português, a jovem Suzana. Rezamos silenciosamente uma pequena oração e, em poucos minutos, um vento rápido soprou, afastando a neblina e pudemos contemplar a imagem. Suas feições são belíssimas e o coração, símbolo de amor, estava exposto.. Nós nos detemos um bom tempo neste local. Rezamos por todos os nossos queridos, e pedimos ao Redentor para abençoar o Brasil, de modo especial, nosso novo mosteiro. Após batermos algumas fotos, iniciamos nossa descida da montanha. Descendo no bondinho era como estar em Coney Island. Chegamos ao Cenáculo poucos minutos antes de Madre Teresa regressar do porto com a notícia de que sairíamos novamente de viagem para Brasília, às 17h Como Frei Beraldo havia previsto, eram tantos os navios na enseada que o Estrid Torm foi impossibilitado de chegar ao porto. Então tiveram de tomar novamente o barco a motor e seguiram o mesmo trajeto da noite anterior. Começou a grande tarefa na alfândega! Jamais esqueceremos tudo o que Frei Beraldo fez por nós. Os fiscais da alfândega queriam abrir todos os caixotes. Então, Frei Beraldo lhes entregou um molho de chaves e lhe disse: “Vão começando a abri-las”… Momentos depois, resmungando, os fiscais devolveram as chaves dizendo: “É demais!” e os mandaram seguir. O dia estava bem quente e o regresso ao Cenáculo foi bem cansativo.
Depois de trocarmos sugestões sobre o assunto de nossa viagem, foi sugerido a Frei Beraldo que tomaríamos um ônibus para Brasília, ao invés de irmos de avião, devido a quantidade de bagagens. Ele hesitou um pouco em aceitar a sugestão e olhando para a Madre Teresa disse: “Será uma viagem incômoda de 24 horas”. A Madre lhe respondeu com sua confiança habitual: “Frei Beraldo, nós vamos conseguir!”. Às 17h, as Irmãs do Cenáculo nos conduziram à Capela interna onde as Irmãs cantaram para nós o Intinerarium. A seguir nos despedimos entre cantos, e abraços do modo brasileiro. Madre White nos forneceu uma grande caixa contento alimentos para nossa viagem. Os dois motoristas mantinham-se reservados, Colocaram as bagagens mais volumosas no bagageiro e as outras dentro do ônibus. Eram cerca de 17h30min, quando recebemos a bênção de Frei Beraldo e iniciamos nossa viagem. Ele iria de avião no dia seguinte. Também nos acompanharam dois anjos: Madre Elisabeth e Madre Maria dos Anjos. Por um longo trecho ficamos olhando o panorama, contemplando as montanhas e a paisagem, até que foi escurecendo, mas mesmo assim, conseguimos ver as luzes das cidades. Paramos às 21hs para tomar nosso lanche e comer algo das provisões que as Irmãs nos haviam preparado. O proprietário do restaurante foi bondoso para conosco e nos serviu alguns pãezinhos doces. Prosseguimos nossa viagem…
Depois de algum tempo, Madre Elisabeth começo a andar pelo corredor do ônibus para ver se tudo estava em ordem ou se alguma Irmã precisava de alguma coisa. Olhando para trás e vendo aquela montanha de malas e pacotes, disse em voz alta: “Nossa, até parece a alameda de Hogan’s Alley”. As poltronas eram bastante confortáveis e pudemos dormir um pouco durante a viagem.
Mais ou menos às 6h30min, o ônibus parou defronte a uma pequena igreja na cidadezinha de Sete Léguas. Chegamos a tempo para a Santa Missa. Ao depararmos com uma bela imagem de Santo Antônio sobre o altar mor, julgamos que deveria ser a Igreja principal ou mesmo um Santuário de Santo Antônio, pois havia no centro um belíssimo trono. O povo, com muita devoção, dialogava com o sacerdote durante a Missa. Todos receberam a comunhão. Após a Santa Missa o celebrante levou a comunhão a alguém na Casa paroquial. Talvez a um bispo idoso, porém não houve tempo para fazermos perguntas, pois tínhamos de tomar nosso café e prosseguir a viagem.
Os motoristas também participaram da Missa e depois nos levaram a um pequeno restaurante, onde tomamos café. O lugar parecia uma cidade de Cowboys, pois havia vaqueiros perto da porta, e as galinhas entravam e saíam das casas. Havia um grande quadro de São Vicente de Paulo pendurado à entrada do restaurante. O dia começou a esquentar, e sentíamos sede. Ficamos contentes quando os donos nos trouxeram um jarro contendo água. Porém, a querida Madre Maria dos Anjos, solícita em velar pelo nosso bem, perguntou se a água era filtrada. Quando o jovem respondeu que não, ela comprou algumas garrafas de água mineral. Nosso café da manhã consistia em pãezinhos, bananas e laranjas. Ao retornarmos ao ônibus para continuar nossa viagem, perto da porta havia um garoto descalço. Madre Maria Elisabeth deu-lhe um pãozinho e uma banana. O pobrezinho devorou a banana num instante, comendo-a com casca e tudo, e depois sorrindo, ficou abanando para nós.
Durante a viagem rezamos o Ofício Divino e depois continuávamos desfrutando da beleza da Criação, olhando o panorama dos verdes campos, das montanhas, as vacas pastando, os bois arando a terra a qual, para nossa admiração, era vermelha. Mais ou menos pelas 10hs, paramos na cidadezinha de Três Marias, onde comemos peixe frito, pescado no lago ou no rio próximos.
Continuando a viagem, paramos para jantar num lugar que parecia com o Faroeste. Havia papagaios e também uma gaiola com um macaco, bem na entrada da hospedaria. A comida foi boa, sendo servido arroz, feijão, banana, água mineral e café. Ao sairmos, a Madre deu a um pobrezinho o que ainda restava na caixa de lanche. Ele jogava beijos e ficou longo tempo se inclinando para nós. Estava felicíssimo!
Mais uma vez entramos no ônibus para continuar a viagem. Diante de nós descortinava uma bela paisagem com montanhas e vales, plantações de milho, bananeiras e coqueiros. Caia a tarde e paramos para tomar mais um lanche. Mais ou menos pelas 17h30min, começamos a vislumbrar as luzes de Brasília e em pouco tempo chegamos ao Convento Santo Antônio. Eram cerca de 18hs, quando várias Irmãs, Franciscanas de Allegany, nos aguardavam. Frei Aquino que também tinha vindo de avião, estava também presente. Frei Beraldo chegou mais tarde. Frei Mark Smith veio nos conhecer. Madre Maria dos Anjos, com sua bondade maternal, combinou com os motoristas para continuar, no dia seguinte, a viagem até Anápolis, evitando assim ter que alugar um caminhão para levar a bagagem. Depois de um banho de chuveiro, pois estávamos cansadas e empoeiradas, e de um delicioso jantar, fomos dormir nos quartos das Irmãs, e suspeitamos que elas dormiram no chão, pois a casa era pequena. Deus as abençoe!
Frei Aquino celebrou a Santa Missa às 7h. Depois de um substancioso café da manhã, onde tivemos aveia pela primeira vez desde que saímos, e a mais cremosa que provamos, continuamos a nossa última etapa desta longa viagem. Madre Maria dos Anjos, acompanhada de várias de suas Irmãs, ia à frente em um carro, enquanto Madre Maria Elisabeth, Frei Aquino e Frei Marcos, viajaram no ônibus conosco.
Estávamos exultantes de alegria quando nos aproximávamos do Convento “Mãe Admirável” que é a Casa regional e o Noviciado das Irmãs de Allegany no Brasil. Eram cerca de 11hs quando Frei Bernardo Trainor e mais ou menos 15 Irmãs franciscanas se aproximaram do ônibus para nos receber num estilo bem brasileiro.
Em seguida, entramos na Capela, onde Frei Bernardo falou aos presentes sobre nós. Ele lamentou a ausência de Frei Celso, responsável pela Custódia, que no momento fazia visita às casas dos frades. Em seguida, explicou: “Mas isso faz parte da típica confusão franciscana”, que tem continuado através deste sete séculos. Disse ainda que no Ritual não havia uma bênção especial para os missionários quando chegam ao seu destino, por isso ele decidiu dar a bênção papal que normalmente se dá aos peregrinos, e a seguir tivemos a Bênção do Santíssimo Sacramento. Frei Aquino o auxiliou As Irmãs cantaram maravilhosamente! Nossos olhos se encheram de lágrimas, quando ficamos de pé e cantamos com elas a “Ave Maria”. Enfim, estávamos em Anápolis!
Gostaríamos de ficar mais um pouco na Capela, agradecendo ao Senhor por toda a Sua bondade, pela feliz viagem e por todo o conforto espiritual recebido, porém a famosa bagagem deveria ser removida do ônibus. Todos nos ajudaram, inclusive os Frades que agora eram mais numerosos.
Em pouco tempo já estávamos no refeitório, e o almoço foi como de festa. Os Frades que estiveram presentes, também almoçaram conosco. Foi uma verdadeira reunião da Família Franciscana, reunindo as três Ordens do Pai Francisco. Mais tarde fomos ver a nossa futura casa: o Mosteirinho. Nem todas couberam no carrinho da Madre Maria dos Anjos, então foram na caminhonete de Frei Bernardo. Era algo para ver e admirar! Seis Clarissas Pobres, com seus mantos compridos viajando na parte traseira da caminhonete. Depois de cinco minutos de trajeto, na curva de uma rua, Frei Bernardo disse: Esta é a sua casa! É uma casa pequena, pintada de branco com o telhado alaranjado, o muro ao redor era branco também. Em poucos segundos estávamos diante da porta. Frei Bernardo depositou nas mãos de Madre Maria Teresa as chaves, e nós a seguimos, enquanto ela destrancava a porta pela primeira vez.
Ficamos surpresas e encantadas ao ver como tinha sido preparada como um verdadeiro mosteirinho. Logo brotou dos corações uma prece de gratidão ao Senhor pelo que Frei Celso e os Frades haviam preparado para nós. Eis o que encontramos: A capelinha era linda com um altar de madeira e um pequeno sacrário quadrangular. A parede atrás do altar era coberta de pedrinhas do rio Corumbá. Havia também dez genuflexórios com suas cadeiras. Um quartinho ao lado era a sacristia e um pequeno armário onde encontramos um belíssimo ostensório e os candelabros. Passamos para a sala que seria o parlatório com uma pequena grade que serviria de confessionário. Em seguida, entramos no refeitório que estava todo mobiliado com uma mesa comprida e dez banquinhos. Entramos na cozinha com as paredes pintadas de verde e sob a pia do pequeno tanque de porcelana, cerâmica branca; e havia também um armário de cor laranja. O fogão e a geladeira não haviam chegado. Da cozinha atravessamos o quintal e entramos numa grande sala com outra mesa comprida e com dez cadeira. Saindo desta sala, havia uma área com uma grande árvore e o telhado da cozinha foi construído ao redor da mesma.
Entramos no dormitório, nele encontramos 10 camas de madeira com colchões de palha. Saindo dali atravessamos um pequeno corredor onde encontramos um banheiro completo e havia outro quarto com banheiro que seria a cela da Madre. Chegamos ao quintal onde futuramente será plantado alguns legumes. Faltavam ainda instalar a energia elétrica, as telas nas janelas para evitar a entrada de mosquitos e outros detalhes. Madre Maria dos Anjos com sua atitude silenciosa, e depois de dar uma volta juntamente com Madre Elisabeth, voltou-se para Madre Teresa e lhe disse: “Madre, vocês terão que ficar conosco no Convento Mãe Admirável até que esta casa esteja inteiramente pronta”. Então nossa Madre respondeu: “Mas Madre, nós somos dez Irmãs, o que a senhora fará? É muita gente!” Ela assegurou que podia cuidar muito bem de nós. Que Deus as abençoaria! Deus nos deu este Anjo para que nos guardasse em nossos caminhos.
Voltando ao convento passamos pelo hospital da Santa Casa, no qual trabalha muitas Irmãs de Allegany. Madre Judite e as Irmãs do hospital nos mostraram todos os compartimentos, e em seguida, nos ofereceram refresco, refrigerante de guaraná e biscoitos. Elas nos relataram muitas de suas experiência, algumas bastante tristes. Frei Maurício que esteve visitando alguns pacientes, veio ao nosso encontro.
As Irmãs do hospital nos levaram de volta ao convento em uma ambulância, e até tocaram a sirene. Após o jantar saímos para ver as estrelas e especialmente o Cruzeiro do Sul. Olhando para o céu estrelado, nossos pensamentos se voltaram para Aquele que dirige o curso das estrelas, e que tão amorosamente guiou nossos passos até que chegássemos sãs e salvas a Anápolis. Do fundo de nossos corações transbordavam ações de graças. Madre Maria dos Anjos já havia preparado nosso alojamento. Ser-lhe-emos eternamente gratas pela sua bondade e sua dedicação para conosco. Ela nos forneceu toda uma ala do convento com lindos quartos, dois grandes banheiros e um salão para recreação. Também nos permitiu o uso da Capela, como também o refeitório para nossas refeições.
Afinal, foi um dia cheio e estávamos cansadas, porém, felizes e tivemos um repouso tranqüilo em nossa nova terra, esta noite. Por fim, tínhamos chegado ao termino de nossa viagem.
Frei Cristóvão, pároco da Igreja São Francisco celebrou a Santa Missa às 8h e fez uma linda homilia e nos deu as boas-vindas a esta cidade de Anápolis e que estava feliz de pertencermos a sua Paróquia. Em seguida, ele tomou o café da manhã conosco e relatou-nos algumas de suas dificuldades e, com nossas orações, poderíamos ajudá-lo a solucioná-las.
Passeamos durante a manhã pelo jardim que é um verdadeiro paraíso e onde há também, uma linda gruta de Nossa Senhora cercada por árvores e flores. Atrás da casa, mais distante, há um grande pomar com laranjeiras, bananeiras, plantações de abacaxis, etc. e também uma horta bem irrigada para a plantação de legumes. Levamos dias para explorar tudo aquilo.
Retornamos à Capela para rezarmos a Coroa Franciscana e outras orações antes do almoço. Até parece que Madre Maria dos Anjos tomou a resolução de nos mimar. Todas temos bom apetite e devorávamos a suculenta refeição que ela colocava à nossa frente. À tarde, Madre Judith e Ir. Brendan José da Santa Casa pediram para ver a nova casa e nos levaram de ambulância. Madre Maria dos Anjos trouxe a máquina fotográfica para tirar algumas fotos. Regressamos a tempo para receber a Bênção do Santíssimo Sacramento.
Essa noite o recreio foi no terraço. As Irmãs cantaram alguns cantos em português para nós, dos quais gostamos muito. Elas também nos serviram pipoca e limonada. Lá pelas 20h, Frei Bernardo tocou à campainha e veio nos avisar que estava planejando uma visita ao Arcebispo Dom Fernando.
Esta manhã, bem cedo, antes da Missa, ficamos sem energia elétrica e tivemos que utilizamos as velas. Isso é comum por aqui. Nunca se sabe quando a energia elétrica será desligada. Poderia ser pior se não tivéssemos velas, não é? Depois do jantar, Madre Maria Elisabeth disse: “Tchau!”. Ela estava retornando ao seu convento em Pires do Rio, onde as Irmãs têm um orfanato, clínica, cozinha para a distribuição de sopa. Esta querida madre fizera esta longa viagem até ao Rio para nos receber e nos ajudar durante o longo trajeto desta longa viagem. Como ela foi uma mãe atenciosa e solícita! Tanto ela como a Madre Maria dos Anjos se dispuseram para ser nossos Anjos da guarda. Madre Maria Teresa queria lhe retribuir de alguma maneira, e perguntou-lhe o que poderíamos fazer por ela. Com um brilho nos olhos Madre Elisabeth respondeu: “Não há nada que me possa fazer mais feliz do que ter todas vocês em Pires do Rio, para uma visita”. Aí ela acrescentou: “Por favor, vamos!” Madre Teresa concordou, dizendo que seria uma boa oportunidade para conhecer as condições das pessoas; e também os problemas e dificuldades enfrentados pelos missionários. Não marcamos a data, mas Madre Elisabeth disse que mais tarde iria nos informar, depois de fazer os preparativos.
Nesta mesma tarde, Frei Bernardo veio com Frei Tiago McGeady para tirar algumas fotografias e para isso subimos na caminhonete dos frades. À noite, tivemos a visita de Frei Carlos Finnegan Quando ele foi ordenado foi celebrar a sua primeira missa em nosso mosteiro de Nova Iorque, e sempre que ia ao mosteiro celebrava conosco a Eucaristia. Ele nos disse que nos levaria no dia seguinte, às 12h30min a Goiânia para ver nosso Arcebispo Dom Fernando. É um trajeto de uma hora de carro. Depois de um recreio muito alegre, retiramo-nos para os quartos pensando como seria nosso Arcebispo. Que tipo de pessoa seria!
Às 12h30min em ponto, Frei Carlos estava à porta do Convento, nos esperando. Quatro Irmãs foram no carro de Irmã Maria dos Anjos e as outras no carro de Frei Carlos. Foi uma viagem agradável e chegamos a tempo. O Arcebispo nos causou uma boa impressão, pareceu-nos uma pessoa muito santa. Estava muito feliz por nos conhecer, e nos pediu que começássemos logo a rezar pelas suas intenções, especialmente, para que conseguisse mais sacerdotes para a Arquidiocese. Ele iria aos Estados Unidos com esta finalidade. Em seguida, fomos visitar a Catedral que está há muito anos em construção. Frei João Francisco e Frei Daniel, velhos amigos desde Nova Iorque, nos esperavam defronte à Catedral; Frei Daniel estava com um máquina fotográfica e estava determinado a tirar muitas fotos. Inesperadamente, aparece o Arcebispo Dom Fernando e deixou que tirássemos uma foto com ele. Estávamos prontas para regressar a Anápolis quando vieram ao nosso encontro algumas Irmãs Missionárias de Jesus Crucificado e nos convidaram para fazer uma visita a sua comunidade que fica uma quadra acima da Catedral, e tomarmos um cafezinho. Madre Léa nos fez uma agradável acolhida e chamou todas as jovens que se hospedavam naquele pensionato para que as pudéssemos conhecer. Eram muito graciosas e várias delas nos disseram que talvez seriam clarissas algum dia. Madre Léa nos conduziu ao refeitório onde nos foi servido biscoitos, queijo, rosquinhas, suco de uva, refrigerante e cafezinho. Visitamos a capelinha que era dedicada a Nossa Senhor da Assunção. Frei Daniel continuou batendo fotos. Em seguida fomos visitar a paróquia de Frei João Francisco a qual abrange uma área muito pobre da cidade. Frei João mostrou-nos o seu pequeno refeitório e também a capelinha anexa.
Andamos a pé várias quadras para chegarmos à escolinha. É um prédio velho que ele havia alugado. Na medida que íamos andando, Frei João apontava as casas pobrezinhas do seu rebanho. A pobreza era extrema. Na escola as criancinhas cantaram canções para nós. Depois ele nos apresentou as duas colunas de sua paróquia: Alfredo e Átila sua esposa que era diretora da escola. Eles prestam mil e um serviços para manter viva a fé. Recordamos que muitas vezes, Frei João pediu-nos que rezássemos por eles, quando vinha nos visitar em nosso mosteiro de Nova Iorque, mas nunca imaginávamos que um dia iríamos conhecê-los pessoalmente.
Átila estava cortando e costurando alguns uniformes que seriam vendidos bem baratinhos, por apenas alguns centavos. Frei João está tentando ajudar o povo a desenvolver o senso de responsabilidade, e eles estão correspondendo e colaborando, dando mais valor aos objetos. Ao deixarmos a escola, várias crianças continuaram a nos seguir. Eram tão amáveis! Algumas delas estavam mal vestidas, mas eram bem educadas. Ao chegarmos à pequena igreja, Frei Daniel fez as crianças rezarem a Ave Maria, em português. E nós rezamos em inglês por eles. Chegou a hora de nos retornar a Anápolis, e de súbito chegou Frei Aquino num jipe acompanhado de Frei Francisco. Este frade é a primeira vocação desta província e há um ano foi ordenado sacerdote. Eles vinham levar Frei João Francisco ao Seminário para pregar um retiro para 32 rapazes com idade de 10 a 17 anos. O jovem sacerdote iria permanecer na paróquia, enquanto o outro iria pregar o retiro.
Uma coisa que nos marcou foi a alegria e a piedade que nossos frades irradiam mesmo no meio da pobreza, trabalhos árduos e da decepção que experimentam em sua missão. São verdadeiros frades franciscanos.
Quando estávamos ajoelhadas diante do Santíssimo Sacramento, no silêncio da noite, no silêncio e quietude desta linda capela do Convento Mãe Admirável, tornou-se mais claro e vivo, para nós, o porquê de estarmos aqui. Repetiu a mesma impressão que ressoou em nossos corações daquele dia inesquecível – 15 de março – quando iniciamos nossa viagem à América do Sul. As cenas que testemunhamos falavam ao nosso coração a linguagem do Corpo Místico de Cristo, suplicando-nos para elevarmos nossas mãos como uma sacrifício vespertino, para sustentar a vida cristã na América Latina.
É nossa esperança de que, com nossas preces, algumas faíscas da graça divina se irradiem de nosso mosteiro para atingir nossos vizinhos desta cidade de Anápolis, todo o Brasil e que dêem nova força à Igreja.. Entretanto, até que nossa nova morada – o mosteirinho – fique pronto, aceitaremos com gratidão, como vindo das mãos misericordiosas de Deus, a providencial e amorosa hospitalidade da querida Madre Maria dos Anjos, cuja maternal solicitude e generosidade estas dez Irmãs Clarissas, jamais esquecerão.
Dia 6 de abril – Sábado
Às 13h, frei Silvestre nos levou ao Seminário Franciscano “Regina Minorum” em uma kombi. A vista panorâmica era esplêndida. Havia um contraste grande entre as fazendas dos ricos e a favela dos pobres. O Seminário foi colocado num local ideal e tem uma vista belíssima. Frei Silvestre fez-nos uma acolhida calorosa e depois nos levou à Capela. Ele removeu o pano roxo (do tempo quaresmal) que cobria as imagens, para que pudéssemos contemplar melhor as imagens esculpidas à mão. Eram belas, uma verdadeira obra de arte! Em seguida, fomos ao quintal para conhecemos os seminaristas. Eram 32 rapazes na idade de 10 a 17 anos. Mas quando andávamos pela calçada, deparamos com um grande inseto e Frei Silvestre nos disse que era apenas uma formiga. Precisava ver o tamanho dela! Ele nos disse, rindo gostosamente que um frade franciscano veio de São Paulo à procura de inseto raros e encontrou uma grande variedade deles no Seminário. Os jovens seminaristas eram bem educados. Cantaram para nós o Ave Maris Stela e Toda Pulchra es Maria. Cada um deles beijou a mão da Madre e pediu sua bênção. Então, Frei Silvestre os mandou para a piscina, enquanto continuávamos a visita. Naquele terreno havia vacas, galinhas, porcos, etc., além de plantações de milho, abacaxi, e um grande pomar com laranjeiras, limoeiros, etc.
Paramos para descansar um pouco em uma pequena casa de retiro. O arcebispo Dom Fernando faz retiro todos os anos nesse local. Passamos por outros recintos, em seguida fomos receber a hospitalidade franciscana que consistia no seguinte: chá gelado, coca-cola, Fanta. Frei Silvestre presenteou a Madre com um belo abridor de latas como lembrança. Esperavam por nosso retorno ao convento às 15hs, por isso, nos despedimos prometendo orações. Muitos desses jovens, como Frei Silvestre nos disse, são muito bons, mas por causa da situação familiar, muitos saem, sem terem amadurecido em sua vocação.
Chegamos ao convento para o início da procissão do Santíssimo Sacramento a ser introduzido na nova capela do Convento Mãe Admirável. Tivemos o privilégio de estar à frente do SS. Sacramento. O canto Pange lingua ecoava pelos corredores, enquanto Frei Bernardo levava Nosso Senhor no belíssimo ostensório à nova ala do convento. Após a bênção, cantamos o Magnificat, seguido do Te Deum. Em seguida, foi a ereção dos quadros da Via-Sacra. Foi uma ocasião de alegria para nós, mas especialmente para a querida Madre Maria dos Anjos e suas Irmãs.
Dia 13 de abril – Sábado Santo
Fomos privilegiadas pois tivemos as cerimônias da Semana Santa na Capela das Irmãs. Tudo encerrou com a belíssima Vigília Pascal que começou às 23h A bênção do fogo novo realizou-se do lado de fora da capela, entramos em procissão enquanto o celebrante cantava o Lumen Christi. Havia um espírito de alegria e exultação durante todo o tempo. O celebrante participou da ceia pascal, no refeitório. As mesas estavam enfeitadas e em cada lugar havia um coelhinho de chocolate e cartõezinhos com os cumprimentos de Feliz Páscoa. Saudamos umas às outras. Frei Davi e alguns dos clérigos que estavam com ele, também participaram da ceia. Eram cerca de 2hs da manhã quando encerramos tudo.
Dia 14 de abril – Domingo de Páscoa
Levantamos às 7hs, rezamos o Ofício Divino e após o café, fomos visitar o Colégio São Francisco para participar da Missa às 9h Frei Cristóvão, o pároco, celebrou a Santa Missa e fez a homilia em português. Somente depois é que ficamos sabendo que a maior parte da homilia era sobre nós, as Clarissas.
Na igreja, vários cachorros que andavam pelos corredores, entravam entre os bancos durante toda a celebração, como se tivessem o direito de ali estar. As mulheres não usavam chapéu, somente algumas tinham um véu na cabeça. Àquelas que se aproximavam da mesa da comunhão tinham a cabeça coberta. Notamos que uma delas não tinha o véu, a outra comungou e depois colocou o véu sobre a cabeça da outra e esta ao voltar devolveu o véu. Observamos com admiração tudo aquilo!. Por outro lado, o fervor e a devoção com que o celebrante conduziu a cerimônia foi impressionante. Unimo-nos nossas orações às dele por todo este povo.
Chegamos ao Convento Mãe Admirável e lá encontramos frei Bernardo que veio nos desejar Feliz Páscoa. Ficou mais ou menos uma hora conosco. Um almoço festivo foi servido às 13h Em seguida, nos dirigimos ao jardim e ali encontramos dois papagaios: o Tootsie e o Arara. Realmente um era papagaio e o outro arara. O recreio da noite foi bem festivo. Nós nos divertimos fazendo coelhos de papel. Fomos agraciadas com máscaras e chapeuzinhos com duas orelhas de coelho.
Dia 15 de abril – Segunda-feira
O Arcebispo Dom Fernando celebrou a Santa Missa na nova Capela, cerca das 9h Parte da Missa foi cantada em português. Frei Carlos auxiliou o bispo, enquanto os frades Bernardo, João Francisco, Antônio e Daniel ficaram sentados na frente (naquele tempo não havia concelebração).O Arcebispo proferiu uma bela homilia que foi gravada pelos frades e depois foi transmitida pela rádio, naquela noite. Após a Santa Missa, o senhor Arcebispo conversou conosco e tiramos também umas fotos com ele. Ele ficou para o almoço e nos sentimos honradas. Ao se despedir, ele já conhecia cada uma pelo nome e ficou muito feliz com isso. Mais uma vez, suplicou para que rezássemos pelo sucesso de sua visita aos EE. UU. no próximo mês de maio.
Dia 17 de abril – Quarta-feira
Madre Maria Elisabeth renovou seu convite para visitar Pires do Rio. Como o engenheiro, o senhor Ari, precisasse de ir a Pires do Rio por motivo de negócios, se ofereceu para levar algumas Irmãs, enquanto outras foram em uma kombi com Frei Vicente. Chegamos às 11hs, depois de uma viagem de três horas e meia. Fomos acolhidas calorosamente por Madre Elisabeth e sua comunidade. Após um delicioso almoço, nos levaram para visitar a clínica onde elas trabalham, atendendo os pobres. Naquelas imediações havia uma prisão e fomos visitar os presos. Eles foram muito delicados e pediram para tirar algumas fotos conosco. Visitamos também a Igreja do Sagrado Coração de Jesus, uma das primeiras construídas pelos frades. É um lindo edifício!
Visitamos ainda a escola e o convento das Irmãs de Allegany. Voltamos em seguida, pois às 17hs, as crianças iriam fazer uma encenação para nós. Elas cantaram, dançaram e recitaram poesias, e nos surpreenderam com uma frase em inglês: “Deus abençoe a América”. Elas ficaram muito contentes quando Madre Teresa ofereceu a cada uma, um pirulito. Após o jantar Madre Elisabeth nos mostrou alguns slides. Foi um dia muito agradável.
Dia 18 de abril – Quinta-feira
A Missa conventual foi às 6h10min. Depois de um reforçado café, fomos visitar a cozinha, isto é, o local onde é distribuída a sopa para os pobres. Mais uma vez a Madre distribuiu pirulito às crianças. Mais tarde fomos visitar uma fazenda da qual provinha o leite que abastecia a clínica. Ficamos surpresas ao ver os instrumentos utilizados, particularmente, um antigo moinho de milho e de café. . Voltamos ao convento para o almoço. Em seguida, visitamos os Vicentinos e algumas moradias dos pobres. A pobreza era extrema. A maioria das pessoas estavam doentes, porém eram alegres e acolhedoras e nos convidaram para entrar em suas casas nessa favela. Visitamos também a capelinha deles que também era muito pobre.
Quando regressávamos ao convento, a jovem Etta, nossa motorista, perguntou-nos se gostaríamos de conhecer seu pai que era proprietário de um matadouro. A Madre achou melhor aceitar, sendo que eles são bons amigos da comunidade das Irmãs. O pai de Etta ficou feliz com nossa visita e mandou que matassem três bois em nossa honra e insistiu que ficássemos para ver todo o processo. Não achamos nada interessante, no entanto, o homem ficou muito feliz por termos ficado.
Na volta paramos no pomar e Etta e seu irmão nos ajudaram a colher laranjas e enchemos vários sacos. Uma surpresa nos aguardava! Madre Elisabeth anunciou que iríamos ao Convento do Sagrado Coração, para jantar. Depois dessa aventura do matadouro nenhuma estava com vontade de comer, porém conseguimos comer aquilo que colocaram a nossa frente. Conosco estavam Frei Tiago, Frei Rui, Madre Maria dos Anjos e várias de suas Irmãs, como também Irmã Benedita, da Clínica. Depois de tudo isso seguiu uma festiva recreação.
Dia 19 de abril – Sexta-feira
Frei Tiago celebrou a Santa Missa às 10h Madre Maria dos Anjos levou nossa bagagem. Frei Vicente levaria a Madre e Irmã Sallete para Anápolis, enquanto Madre Elisabeth, nós e algumas de suas Irmãs seguiriam de trem. Depois do jantar, fizemos recreio e as Irmãs cantaram: “A bênção de São Francisco e de Santa Clara”. Despedimos das Irmãs de Pires do Rio e nos dirigimos à estação, saindo às 14h30min. Frei Antônio e Frei Tiago nos observavam, e mais ainda, eles pagaram nossa passagem. Deus os abençoe! Apreciamos esta viagem de trem que durou cerca de seis horas. Às 20h30min, chegamos ao Convento Mãe Admirável onde fomos acolhidas por Irmã Maria dos Anjos que nos aguardava com um delicioso jantar.
Dia 20 de abril – Sábado
Finalmente, chegou o restante de nossa bagagem. Tudo parecia estar em boas condições. Madre Maria dos Anjos nos cedeu uma sala, onde colocamos toda a bagagem até mudarmos para nosso mosteirinho.
Dia 22 de abril – Segunda-feira
Pela primeira vez, encontramos com Frei Celso Hayes, e logo percebemos que estávamos sob os cuidados afáveis de um bom pai.
Dia 23 de abril – Terça-feira
Já que nossa bagagem havia chegado, pudemos começar os preparativos para a entrada em nosso mosteiro. Ainda não foram instalado a água nem a eletricidade, e há outros pormenores para terminar, de maneira que não estaremos lá no tempo previsto. Planejamos nos dirigir ao mosteirinho todos os dias, mesmo que seja por pouco tempo, assim adiantaremos os trabalhos. Apesar de ouvir muitos gracejos a respeito de nossa bagagem, estamos contentes de termos trazido tudo isso, especialmente os utensílios para a capela e as máquinas para fazer hóstias. Uma coisa porém não trouxemos: um tapete para colocar no santuário. Depois de refletirmos juntas, decidimos desmanchar um cobertor e com uma camada de estopa, fizemos um excelente tapete.
Dia 11 de maio – Sábado
Pentecostes seria no dia 02 de junho, data prevista para a Primeira Missa em nossa capelinha. Entraremos, nesse dia, no mosteiro definitivamente. Cada vez que vamos lá, levamos um pouco da bagagem, embora Frei Celso nos dissera que um caminhão transferirá a bagagem. Senhor Ari, que trabalha nas construções para Madre Maria dos Anjos, levou um caminhão cheio de algumas malas. Várias vezes vamos à pé, pois são somente 20min. Durante o trajeto, muitas pessoas diante do portão de suas casas acenam para nós, e as crianças nos seguem e nos pedem a bênção.
Preparávamos a terra para as plantações. A campainha havia tocado e a Madre Teresa foi atender e encontrou seis crianças. Cada uma entregou à Madre uma laranja e ela deu uma medalha a cada criança. Não demorou muito e voltaram com mais laranjas. Como estes foram nossos primeiros benfeitores a nos trazer alimentos, tivemos um pouco de recreio, enquanto cada uma saboreava sua laranja.
Dia 1º de junho – Sábado
Finalmente, levamos nossas últimas peças no fusca. Madre Maria dos Anjos e suas Irmãs se mostraram incansáveis em seus esforços para nos ajudar. Jamais as esqueceremos. Nessa noite de despedida, elas fizeram uma encenação, depois nos serviram pipoca e limonada.
Dia 02 de junho – Domingo de Pentecostes
Durante o café, recebemos um cartãozinho com os dons e os frutos do Espírito Santo, escritos num marcador de páginas. Durante a manhã nos revezamos em adoração diante do SS. Sacramento. O almoço foi muito festivo! Pouco depois da refeição, nos despedimos de nossas queridas Irmãs do convento Mãe Admirável. Em seguida, fomos levadas ao mosteiro provisório, e nos acompanharam Madre Maria dos Anjos e algumas Irmãs.
A primeira Missa iria ser celebrada na parte da tarde pelas 18hs, seguido do jantar, de modo que todos ajudaram naquilo que era necessário: na capela, no refeitório, na cozinha. Reinava em nossos corações uma alegria imensa, que somente uma Clarissa pode compreender. Estávamos em nosso mosteiro!
A campainha soou. Era Frei Tarcísio com uma grande cesta de comestíveis enviada por Frei Celso. Depois de um cochicho que afinal todos ouviram ele dizer: “coloque isto no congelador. É só para as Irmãs. Eu voltarei mais tarde com copos-de-leite para a capela, o sol está muito quente ainda para apanhá-los pois murchariam logo!” e com isso foi-se logo no jipe.
Quando entramos na capelinha ficamos surpresas ao ver os lindos pedestais, os genuflexórios e o púlpito que Frei Vicente fizera e que havia terminado no dia anterior. Havia também folhas de coqueiro e samambaias no santuário. Finalmente, chegou a hora! Frei Celso veio acompanhado de Frei Tarcísio para celebrar a Santa Missa. Madre Maria dos Anjos e suas Irmãs se fizeram presentes. Foi uma dessa ocasiões nas quais experimentamos mais uma vez a bondade de Deus. Isto deixa um sinal maravilhoso no coração de qualquer um e nossa ação de graças se elevou ao céu. Nesse momento, recordamos todos os nossos queridos benfeitores que foram tão generosos para conosco. Algumas Irmãs enxugavam as lágrimas, quando fizemos intercessões por nossos frades, Irmãos e Irmãs, pelo trabalho missionário deles aqui no Brasil, especialmente por Frei Celso que, com seu modo silencioso e reservado, planejou este pequeno mosteiro como nossa morada temporária. Após a Missa, tivemos a bênção do Ss. Sacramento e em seguida a bênção dos compartimentos.
O jantar foi servido. Frei Maurício, pároco da Igreja de Santana chegou também. A cozinheira conseguiu fazer um pão irlandês (Irish soda-bread) nossa especialidade clariana, embora tenha faltado as sementinhas de Caraway e as passa eram tão poucas que podiam contá-las, mesmo assim gostaram do jantar franciscano. Quando nossos convidados se retiraram, alguém se aproximou da Madre e cochichou em seu ouvido dizendo: “É só para as Irmãs!” Aí trouxeram o tal pacotinho congelado. Ele foi aberto e tivemos mais um “Gaudeamus”, enquanto saboreávamos o nosso sorvete e conversávamos sobre os últimos acontecimentos.
Dia 03 de junho – Segunda-feira
Frei Bernardo celebrou a Santa Missa às 7hs e depois tomou café conosco. Aproveitou para nos contar muitas anedotas e recomendou, várias vezes: agora que vocês estão no Brasil, têm que agir como os brasileiros. Ele prometeu voltar com um saco de farinha de trigo. Mais tarde Frei João Francisco chegou de Goiânia, trazendo queijo, manteiga e óleo; quando a Madre lhe agradeceu, ele disse que foi um presente do Presidente João Kennedy. Todas nós pensávamos que o presidente era um de seus benfeitores, e foi uma surpresa quando vimos na latas o rótulo dos Estados Unidos.
Este foi nosso primeiro dia em nossa casa. Tudo estava indo muito bem até que alguém abriu a torneira e não havia água. Fomos ligar a bomba, mas ela não estava funcionando. Iniciamos uma procissão. Cada uma com seu balde foi pedir água nos vizinhos. Eles foram muito bons e nos disseram que poderíamos buscar quanta água precisássemos. Assim terminou nosso primeiro dia. E fomos descansar em nossos leitos monásticos, confiando que tudo se resolveria no dia seguinte.
Dia 04 de junho – Terça-feira
Amanhecemos sem água. Quando Me. Maria dos Anjos soube de nossa dificuldade, se ofereceu para nos levar de volta ao Mãe Admirável, mas nós ficamos firmes em nossa resolução de enfrentar a situação. O poço deve ser cavado mais profundamente, disseram. Frei Celso resolveu o problema mandando um turma de 10 homens para fazer o encanamento, trazendo água da Santa Casa e da carpintaria dos frades. Os homens trabalharam todo o dia e no final da tarde tínhamos água. Deo gratias!
Dia 15 de junho – Sábado
Houve um pouco de excitação em nosso silencioso recinto nessa noite. Vimos um animal estranho em nosso quintal. Algumas mais corajosas o enfrentaram armadas com vassouras, enxadas, rodos etc. tentando capturar essa pobre e indefesa criatura. Subitamente ele escapuliu, passando pelo meio delas soltando fortes gritos e subiu numa árvore. Ao descrevemos isso a um dos frades, ele nos disse que deveria ser um “Gambá” que mata galinhas.
Dia 12 de agosto – Segunda-feira
Solenidade de nossa Mãe Santa Clara
Hoje, fomos surpreendidas, posso dizer, pela exímia visita do Prefeito e sua esposa que nos trouxeram três dezenas de copos-de-leite para o altar. Esse foi apenas o início, pois o dia todo o povo veio com donativos de alimentos não perecíveis. Os frades, os Irmãos, as Irmãs, os coroinhas como também as crianças da escola, todos tiveram a sua participação para fazer mais festivo este dia. Foi muito comovente ver as crianças pequeninas com o seu pacotinho, e em seguida cantaram “Parabéns!” em português. Frei Vicente trouxe os coroinhas para visitar nossa capela. Eles rezaram e cantaram. Enquanto eles estavam ajoelhados, observamos que alguns usavam calçados, outros estavam descalços e outros tinham calçado somente em um dos pés, porém todos rezavam com muita devoção. Aproveitamos a ocasião para pedir que, alguns deles, recebessem a graça da vocação sacerdotal. Há tão poucas vocações e é grande a messe!
Graças a Deus todas gozamos de boa saúde e estamos felizes em nosso novo ambiente. Apesar de não podermos ter nossa clausura papal, nesse mosteiro provisório, estamos procurando viver nossa vida monástica normalmente. Levantamos à meia-noite para rezar Matinas, e procurando, de modo clariano, reconstruir a Igreja do Brasil.
As pessoas são muito simpáticas e com freqüência nos trazem alimento, porém por causa da grande pobreza, não nos podem ajudar financeiramente com donativos. Ficamos confiantes de que nossos bons amigos da América do Norte não nos esqueçam. Deus os abençoará!
A energia elétrica é muito instável e é desligada sem aviso prévio. Mesmo assim estamos conseguido fazer hóstias para as paróquias, particularmente, para as das missões. Estamos progredindo em nosso estudo da língua. A professora vem todos os dias e fica várias horas e parece muito satisfeita com o nosso esforço e progresso, porém a língua é muito difícil e lavará muito tempo para aprendê-la.
As formigas são nossa diversão. É muito interessante os insetos daqui, ou são pequeninos que se tornam insidiosos ou grandes que nos causam medo, mas mesmo assim são inofensivos. As formigas fazem um desfile de São Patrício, todos os dias. Elas andam de três em três carregando folhas de alface ou outra verdura, como se fossem bandeiras verdes. Assim mesmo temos conseguido cultivar alguns legumes que acompanham nossa refeição diária de arroz e feijão.
Desde que chegamos à América do Sul ficamos profundamente impressionadas com a santidade, o zelo e o espírito de sacrifício dos sacerdotes e religiosos. É muito edificante vê-los caminhando de um lado para o outro com seus hábitos gastos, sacrificando-se no meio deste povo tão pobre.
Os problemas que os missionários enfrentam são gigantescos, como nos contaram os bispos, em particular Dom Domingo Cóscia e Dom Jaime Schuck, como também os frades e religiosas. Todos acreditam que somente com a oração e o sacrifício muitos problemas serão solucionados. Sabíamos desses problemas antes de sairmos de Nova Iorque, porém agora os compreendemos melhor por ser uma experiência do coração. Nosso amável Senhor toca nossos corações em prol deste povo que, por muito tempo, permaneceram sem a assistência espiritual.
As palavras do Santo Padre Paulo VI recentemente dirigidas aos bispos do Brasil dizendo que “Brasil significa esperança” é um estímulo. Sentimos que Aquele que, nos deu um bom começo, continuará a nos ajudar nessa grande obra em favor das almas.
Atualmente estamos providenciando plantações para nosso novo mosteiro, em Anápolis. Como já explicamos, não vamos conseguir ajuda financeira aqui, mas confiamos que nossos caros amigos, que deixamos, não nos esqueçam.
Nesses sete séculos as palavras de nosso Pai Francisco continuam ressoando – “que sempre haverá pessoas movidas pelo Espírito Santo que darão esmolas aos seus pobrezinhos (os franciscanos), e assim atrairão bênçãos de Deus para si e sobre toda a Igreja”. Como não podemos ter clausura papal nestas circunstâncias, pretendemos construir o mosteiro o mais breve possível. Frei Celso e os frades que continuam tão bondosos para conosco nos cederam um terreno que é excelente para a construção do novo mosteiro. Esperamos que nossos bons benfeitores nos ajudarão na construção para a maior glória de Deus e a salvação das almas.
Ao celebrarmos nosso primeiro Natal na Terra de Santa Cruz, estaremos rezando por vocês e por todos os seus familiares que têm sido tão bondosos para conosco. Queríamos lhes enviar este relatório como um presentinho pessoal de todas as 10 clarissas, como um gesto de gratidão por toda a sua bondade e para que saibam que todos estarão em nossos pensamentos e orações. Sabemos que sempre se lembram de nós.
Com nossos votos de Feliz Natal, rico com as graças e bênção do Menino Salvador,
Suas dedicadas Irmãs em São Francisco e Santa Clara