A Morte no Carisma de Clara e Francisco

Chamada de Irmã, a Morte é acolhida como abertura à Vida Eterna
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Louvado sim, meu Senhor,​
pela nossa irmã morte corporal,​
da qual nenhum homem vivo pode escapar:​
ai daqueles que morrem em pecados mortais;​
Bem-aventurados os que encontrarem nas Tuas santíssimas vontades,​
pois a segunda morte não lhes fará mal.” ​

É surpreendente que Francisco coloque a morte ao lado das criaturas e do homem, tornando-a também motivo de louvor. Na sua crueldade, como acontecimento necessário mas contrário ao processo vital cantado pelo Cântico, a morte é, para Francisco, parte integrante da sinfonia de louvor elevada a Deus. Neste contexto, a morte não é sujeito de louvor, como outras criaturas, mas apenas objeto de louvor, isto é, constitui o último motivo encontrado por Francisco para louvar o Senhor, aquele que não nega os precedentes, mas os torna verdadeiros. Por que? Em primeiro lugar, pertence à vida, o que a torna especial e preciosa. Se voltar à vida é uma surpresa e um dom, morrer é uma certeza e uma necessidade: sem a morte, a vida não teria aquele valor absoluto que possui precisamente porque é limitada. Através da observação implacável de que “nenhum homo vivo pode fugir” para a morte, Francisco esclarece implicitamente a primeira razão para o elogio à “irmã morte”: ela dá vida à vida, porque sem ela a vida não seria tão única e especial. Em segundo lugar, é igual para todos.​

“Depois das muitas diferenças e desigualdades produzidas também pelo egoísmo e pelo carreirismo, a morte realiza um ato de justiça final, colocando todos de volta ao mesmo nível, ou melhor, próximos uns dos outros através de uma solidariedade simples e definitiva. Afinal, ao chamá-la de “irmã”, Francisco louva a Deus porque graças à morte o homem volta a ser simplesmente homem e irmão do outro. Francisco, com os seus últimos suspiros, recorda a si mesmo e a nós que a morte constitui uma questão sobre a vida, uma questão que coloca dois estilos de vida diante dos olhos dos homens, com duas possíveis consequências sobre a qualidade da existência. Ai daqueles que pela morte corporal serão encontrados em pecados mortais (v.29).​

Viver em pecado é um problema, um castigo já nesta vida. Na verdade, o pecado não é antes de tudo quebrar um mandamento de Deus, para Francisco é antes de tudo um estilo de vida em que o homem se coloca no centro de tudo e acima de todos, é o estilo de vida de quem vive para si, de quem perdeu seus irmãos. Bem-aventurado aquele que morre na vontade de Deus, que é santíssima e por isso santifica a vida (vv.30-31). O homem será abençoado se souber fazer da sua vida um dom, se tiver vivido na disponibilidade de partilhar com os outros, com alegria e simplicidade de coração, o que tem e o que é. Esta atitude geral permitirá ao homem encontrar a morte como uma “irmã”, isto é, não como aquela que virá retirar violentamente o que acumulou, mas como aquela a quem ele entrega a mão com confiança, como se tornou acostumado a fazer durante a vida, agarrando de bom grado a mão dos irmãos encontrados ao longo do caminho da existência.​

Francisco chama irmã a morte porque é um homem pobre e nu. Mas a sua pobreza, a sua nudez, não são as de quem simplesmente nada tem, mas as de quem tudo deu por amor, de quem tudo partilhou com os irmãos, como Jesus fez, até ao fim, com a sua paixão e a sua morte. Precisamente o dom de si, a pobreza, entendida como partilha, transfigura a morte, que de ladrão temido se torna irmã adorável. A morte de quem morre amando como amou o Filho de Deus não é simplesmente morte, mas já está cheio, “grávido” de vida, já é vida ressuscitada!​

Clara, um Hino de Louvor: «Vós, Senhor, sejais bendito, pois me criastes» ​

Clara está plenamente reconciliada consigo mesma, com seu passado, com seus limites, e oferece tudo ao Senhor com serenidade e liberdade. Tudo o que constituiu sua existência é fruto da ternura e do amor de Deus para com ela; e ela se fez “espelho” para refletir esta beleza divina sobre quem lhe está ao lado; fez-se imagem para o mundo para que todos pudessem contemplar o paciente cuidado de Deus por suas criaturas. ​

Toda a vida de Clara torna-se um hino de louvor e de ação de graças Àquele que a criou, guiou e protegeu. “Espelhou-se” no Amado, viu-se transformada naquele que contemplou e agora já saboreia o gosto da eternidade. Clara não sente necessidade de pedir perdão ao irmão corpo, como Francisco: ela o uniu neste canto de louvor; também o corpo que sofreu com paciência os longos anos de enfermidade é objeto de louvor, porque objeto de amor por parte do Pai: «Vós, Senhor, sejais bendito, pois me criastes». A vida de Clara foi proclamação de beleza: sua caminhada foi de purificação, de “cinzelamento” para fazer emergir da forma mais límpida possível a imagem de Deus que cada um de nós traz em si. «Exortada pelo bondoso Frei Reinaldo a ser paciente no longo martírio de todas essas doenças, respondeu com voz mais solta: “Irmão querido, desde que conheci a graça de meu Senhor Jesus Cristo por meio de seu servo Francisco, nunca mais pena alguma me foi molesta, nenhuma penitência foi pesada, doença alguma foi dura”» (LegCl 44). «O que me parecia amargo, para mim mudou-se em doçura da alma e do corpo» (Test 3). Já não há necessidade de desprezar, mas só de valorizar e amar humildemente: «Vós, Senhor, sejais bendito, pois me criastes» olhando toda a sua vida em perspectiva, imediatamente a vê como uma criação de Deus, como uma história sagrada, uma história bonita, positiva. “A comunhão sempre produz beleza”. ​

A história do Dia de Finados​

No século II, era costume dos fiéis dedicar uma visita ao túmulo dos mártires. Muitos documentos dos primeiros séculos da Igreja nos garantem esta prática. Por exemplo, a Didaqué (ou Doutrina dos 12 Apóstolos), do ano 100, já mandava oferecer orações pelos mortos. Nas Catacumbas de Roma os cristãos rezavam sobre o túmulo dos mártires suplicando a sua intercessão diante de Deus. Tertuliano (†220), Bispo de Cartago, afirmava que a esposa roga pela alma de seu esposo e pede para ele refrigério, e que volte a reunir-se com ele na ressurreição; oferece sufrágio todos os dias aniversários de sua morte (De monogamia, 10).​

Os primeiros vestígios de uma comemoração coletiva de todos os fiéis defuntos são encontrados em Sevilha (Espanha), no séc. VII, e em Fulda (Alemanha), no séc. IX. O verdadeiro fundador da festa, porém, é Santo Odilon, abade de Cluny no século X (França).  A festa propagou-se rapidamente por todo estado francês e pelos países nórdicos. Foi escolhido o dia 2 de novembro para ficar perto da comemoração de todos os santos. ​

O abade do mosteiro de Cluny, Odilo, incentivou que todos os mosteiros de sua ordem rezassem pelos mortos no dia 01 de novembro. A oração dedicada aos fiéis falecidos era feita nas Vésperas, o que corresponde às 18 horas. Com o tempo, o costume foi se espalhando no mundo Ocidental e os fiéis passaram a rezar pelos entes queridos no dia 02 de novembro. Somente em 1915 que a data foi oficializada pelo Papa Bento XV. Ele fixou a data da Comemoração de todos os fiéis defuntos, o Dia de Finados. Desde então, todos os anos o Papa reza uma Missa em homenagem aos falecidos.

Nos seus ensinamentos, o Papa João Paulo II ensinou-nos que “a Igreja do Céu, a Igreja da Terra e a Igreja do Purgatório estão misteriosamente unidas nessa cooperação com Cristo para reconciliar o mundo com Deus.” (Reconciliatio et poenitentia, 12) São João Paulo ainda nos ensinou que “… os vínculos de amor que unem pais e filhos, esposas e esposos, irmãos e irmãs, assim como os ligames de verdadeira amizade entre as pessoas, não se perdem nem terminam com o indiscutível evento da morte. Os nossos defuntos continuam a viver entre nós, não só porque os seus restos mortais repousam no cemitério e a sua recordação faz parte da nossa existência, mas sobretudo porque as suas almas intercedem por nós junto de Deus”​

Indulgências para o dia de Finados​

O Dia de Finados é, portanto, “um dia de oração que vivemos na saudade em lembrar daqueles que passaram aqui pela terra e agora se encontram na eternidade”. Nesta data, a Igreja motiva que os fiéis repitam a proposta que deu origem à celebração, como ir ao cemitério, participar da missa e rezar pelos que já partiram.​

O Diretório de Liturgia da Igreja no Brasil detalha as Indulgências concedidas: Aos que visitarem o cemitério e rezarem, mesmo só mentalmente, pelos defuntos, concede-se uma Indulgência Plenária, só aplicável aos defuntos: diariamente, do dia 1º ao dia 8º de novembro, nas condições de costume, isto é: confissão sacramental, comunhão eucarística e oração nas intenções do Sumo Pontífice; nos restantes dias do ano, Indulgência Parcial (Enchir. Indulgentiarum, n. 13).​

Ainda neste dia, em todas as igrejas, oratórios públicos ou semi-públicos, igualmente lucra-se uma Indulgência Plenária, só aplicável aos defuntos: a obra que se prescreve é a piedosa visitação à igreja, durante a qual se deve rezar a Oração dominical e o Símbolo (Pai nosso e Creio), confissão sacramental, comunhão eucarística e oração na intenção do Sumo Pontífice (que pode ser um Pai Nosso e Ave Maria, ou qualquer outra oração conforme inspirar a piedade e devoção).

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