Como surgiu a Coroa das Sete Alegrias de Nossa Senhora?

Devoção Franciscana, a Coroa é um verdadeiro louvor ao Mistério da Redenção que começa com a Encarnação do Verbo no seio da Virgem Maria
1Juan Carreño de Miranda, Aparición de la Virgen y el Niño Jesús a San Francisco en la Porciúncula, 1666, olio su tela, 148x90 cm. Madrid, Galeria Caylus

por fr. Steffano Cecchin, OFM

O uso de instrumentos para a oração pode ser encontrado em muitas religiões. Assim, a coroa se torna um instrumento prático para contar as orações que se devem repetir por um determinado número de vezes.

O testemunho mais antigo no Cristianismo parece remontar ao século IV, quando o eremita Paulo de Tebas (+342) utilizava de pedregulhos para contar as orações que recitava durante o dia.

Também na vida de Santa Clara é narrado:
“Como não dispunha de contas para repassar os Pai-nossos, usava um monte de pedrinhas para numerar suas pequenas orações ao Senhor. (LSC IV, 4)

Quando começou o uso de recitar as orações um determinado número de vezes, fez-se a necessidade de existir um instrumento que ajudasse a contar.

Nasceu os “signacula” ou “numeralia” que eram coroas que serviam para contar os Pater Noster que os monges, e depois os frades leigos, recitavam no lugar do Ofício, como prescreve a Regra de São Francisco:
“Os clérigos rezem o ofício divino segundo a ordenação da Igreja Romana, exceto o saltério, pelo que poderão ter breviários. Os leigos digam vinte e quatro Pai-nosso por matinas, por laudes cinco, por prima, terça, sexta, noa, por cada uma destas sete, pelas vésperas porém doze, pelas completas sete; (RB 3)

O Beato Tommasuccio de Foligno (+1366) conta sobre uma visão em que vê Clara e as irmãs trazendo cordões de Pai-Nossos de ouro, prata e pérolas preciosas

Narra-se que Clara teria enviado como presente a Inês de Praga (+1282) uma coroa.

Conta-se que Margarida de Cortona (+1297), não tendo o que dar como esmola, ofereceu uma destas signacula.

É interessante notar que, na exumação do corpo de Francisco de Assis em 1818, foi encontrada aos seus pés uma coroa com 30 contas.

As Alegrias de Maria

Antes que se desenvolvesse o rosário mariano na forma que remete ao dominicano Santo Alano de la Roche (+1475), já havia se difundido diversas formar de rosários marianos como a Coroa das Alegrias de Maria e junto aquela das Sete Dores de Maria

A coroa das Alegrias tinha formas diversas pois se contemplava 5, 7 ou 12 alegrias.

As alegrias da Virgem se tornaram motivo de culto já no século XI com a antífona:

 “Alegra-te, virgem imaculada mãe de Deus
Alegre-se com a alegria que você recebeu do anjo
Alegre-se por ter dado à luz o brilho da luz eterna
Alegra-te, mãe, alegra-te, santa virgem mãe de Deus
Só a Ti, mãe não casada, te elogia toda a criação
Pedimos que Tu sejas a mãe da luz, uma intercessora perpétua para nós.”

Ao doutor da Igreja, São Pedro Damião (+1072) é atribuída uma história de um monge, que geralmente recitava a antífona diante do altar da Virgem Maria, e que após recitar escutou vir do altar uma voz que lhe dizia: “Você anunciou minhas alegrias, também você desfrutará mais alegrias”

A esta promessa se junta a lenda de uma aparição a  São Tomás Becket (+1170) na qual a Virgem promete, a quem medita suas alegrias, estar perto na hora da morte e defendê-lo diante do tribunal de Deus.

Ao cisterciense Arnoldo de Cornibout (+1228) é atribuída a contemplação das sete alegrias. Ele frequentemente meditava:

1: A Anunciação; 2: A Visitação ; 3: O Nascimento de Jesus ; 4: A Adoração dos Magos ; 5: A apresentação no templo ; 6: O encontro com o Ressuscitado ; 7: A Ascensão do Filho

Também santa Matilde de Hackeborn (+1298), mestra de Santa Gertrudes, teve uma aparição análoga, mas com apenas as quatro primeiras alegrias.

O primeiro a tratar de uma coroa à Virgem na Ordem franciscana foi São Boaventura de Bagnoregio (+1274), a quem é atribuída a obra “Corona Beatae Mariae Virginis”:

“Alegra-te, virgem Maria, mãe de Cristo, que concebeste ao ouvir o anúncio de Gabriel. Jesus, o fruto do teu ventre, através de ti nos é dado para desfrutarmos, em alegria eterna. Amém, amém.”

Nesta obra, Boaventura contempla as cinco alegrias de Maria:

Encarnação; Natividade; Ressurreição; Ascensão; Assunção

A oração final explica a índole da coroa, feita em honra às cinco chagas de Cristo e às cinco letras com que é composto o nome de Maria.

As Várias Coroas

Entre as primeiras coroas, encontramos aquelas que contemplam os 63 anos de vida da Virgem Maria. A idade de 63 anos é ensinada por Eusébio de Cesareia, segundo testemunho de São Jerônimo. A primeira coroa é atribuída a Santa Brígida da Suécia (+1373), a quem a Virgem revelou ter vivido até os 63 anos.

Este pensamento se espalhou rapidamente na Igreja, por isso também a célebre abadessa das Clarissas, santa Catarina de Bolonha (+1463), escreveu um tratado com 5 mil versos chamado Rosarium metricum de mysteriis passionais Christi Domini et de vita Beatae Mariae Virginis, onde ensinava o uso da coroa das 63 Ave Maria em honra dos anos da Virgem. O Rosário de Catarina se distingue por que oferece uma meditação para cada Ave Maria:

“Qualquer pessoa que quiser com devoção recitar a coroa da Mãe de Cristo, deve primeiro elevar a sua mente das coisas terrenas, alçando-a a Deus e colocando os joelhos na terra, assinalando-se com o sinal da santa Cruz e dizer o Pai Nosso.

Depois diz com devota e obrigatória inclinação ou genuflexão a primeira Ave Maria, contemplando a concepção santa de Maria e nesta considerar que tendo a piedade divina deliberado em redimir a humana geração, enviou o Anjo a Joaquim e a Santa Anna, sua esposa, para anunciar-lhes a concepção desta virgem bendita e que a chamassem Maria; onde criou Deus aquela alma santíssima, dotada de mais dons, graças, ciência, virtudes e privilégios que todas as outras almas. Depois deve considerar quão grande era a alegria que sentia a alma de Maria.

Na segunda Ave Maria contemplar a sua natividade. Ó quanta alegria envolveu o pai, a mãe e os parentes de Maria e todos os espíritos beatos. E pensa os seus atos e costumes devotos até os 3 anos…”

Desta coroa de 63 Ave Maria falam:

Beato Querubim de Espoleto (+1484) na sua Regra da vida espiritual.

O Beato Bernardino de Feltro (+1494), que em sua pregação da Quaresma comenta o uso da referida Coroa aos 63 anos da Virgem, a começar de sua Imaculada Conceição.

O beato Marcos de Montegallo (+1496) atribuiu a origem da Coroa à aparição da Virgem a um noviço. Este foi visto pelo seu mestre enquanto rezava diante de um anjo que tinha nas mãos um fio de ouro. A cada Ave do noviço, o anjo colocava uma rosa no fio, e a cada Pater um lírio. Quando a Coroa foi completada, a Virgem quis colocá-la sobre a cabeça do noviço para indicar as graças que recebem todos aqueles que recitam esta coroa.

Marcos queria que se unisse à oração a contemplação de sete pontos, pois considerava a contemplação o elemento fundamental de toda a Coroa:
1- O amor de Deus; 2 – a humildade de Cristo feito homem; 3 – o temor de Deus; 4 – a sabedoria de Deus; 5 – a transfiguração de Jesus; 6 – a ascensão ao céu; 7 – a descida do Espírito Santo.

A isso ele uniu as 12 alegrias de Maria:
Anunciação; Visitação; Natal; Adoração dos Magos; Apresentação no templo; Encontro de Jesus no templo; Ressurreição; Ascensão; Pentecostes; Assunção; Coroação; Glorificação de Maria.

Em 1503, Fr. Mariano de Firenze (+1523), ensina em uma pequena obra a coroa das 12 alegrias

Mariano refere-se a um dos principais discípulos de João Duns Scotus (+1308), Francisco de Mayronis (+1328) que, no seu tratado sobre a beata Virgem Maria, descreve as doze alegrias que Jesus lhe deu vivendo com ela na vida terrena. Estes podem ser aplicados às doze estrelas e podem ser contemplados na coroa citada.

Mariano explica que a coroa de 12 estrelas vistas por São João na cabeça da Mulher do Apocalipse pode significar a idade de Maria:
Os 12 Pater Noster indicam as 12 estrelas que formam a coroa da Virgem, enquanto as 5 Ave Maria recitadas 12 vezes até chegar a 60, com a adição de outras três Ave Maria, formam a idade de Nossa Senhora: 63.

O elemento principal da Coroa permanece sempre a contemplação dos mistérios que exprimem as 12 alegrias da Virgem:

Anunciação; 2. Visitação; 3. Natal; 4. Adoração dos Magos; 5. Apresentação no templo; 6. Retorno do Egito; 7. Encontro de Jesus no templo; 8. Milagre de Caná; 9. Ressurreição de Cristo; 10. Ascensão; 11. Pentecostes; 12. Assunção de Maria

Mariano atribui a origem da Coroa das Doze Estrelas a uma aparição mariana.

Narra-se que em 1370, o noviço cisterciense Paulo Trincino teve uma visão na qual a Virgem o ensinou a fazer uso da Coroa. Esta história encontra-se também em um texto escrito em torno de 1492, e também em um manuscrito que, entretanto, refere-se a um noviço franciscano e uma aparição em 1474: “Começa a coroa das doze estrelas a qual tem na cabeça a gloriosa Virgem Maria, como foi mostrado a São João evangelista no Apocalipse, tal coroa foi revelada a um servo de Deus frade Menor na localidade de Monte Falco da província da Marca no ano do Senhor de Mil quatrocentos e setenta e quatro”

A Coroa das Sete Alegrias (ou franciscana)

No século 16 difundiu-se uma coroa com 72 Ave Maria. Nesta se contemplavam as 7 alegrias da Virgem acompanhado de uma dezena de “Ave Marias” com a adição de outras duas Ave para completar 72.

De fato, nem todos estavam de acordo com a hipótese dos 63 anos de Maria. Alguns afirmavam que ela viveu 72 anos, como o célebre biblista Cornélio a Lápide (+1637).

A escolha pela devoção às alegrias de Maria, apesar da profunda atenção que a tradição franciscana sempre teve diante da Paixão de Cristo e da compaixão da Virgem Mãe, está fundamentada sobre a característica contemplação franciscana do Mistério da Encarnação e sobre uma difusa literatura que coloca em Francisco de Assis uma especial atenção em direção às alegrias da Virgem.

Na Legenda Versificada de São Francisco, depois de ter parafraseado a Ave Maria, Francisco diz: “para que a meditação das alegrias de sua Mãe nos faça chegarmos às novíssimas alegrias de Cristo.”

A Lenda sobre a origem da Coroa Franciscana

A tradição atribui o início do uso da Coroa das Sete Alegrias a uma aparição da Virgem, ocorrida em 1422 no eremitério de Cesi (Portaria), próximo de Terni

Neste lugar São Francisco teria permanecido em 1213. Com as próprias mãos, Francisco restaurou uma antiga capelinha e ali compôs uma “Laude” chamada “Exortação ao Louvor de Deus”, que antecipa o Cântico das Criaturas e onde encontramos a Ave Maria.

No mesmo Eremitério, Maria apareceu ao noviço Giacomo delle Corone da Portaria. A lenda conta que, enquanto o noviço estava rezando na igrejinha diante da imagem da Virgem, esta lhe disse para recitar todos os dias sete dezenas de Ave Maria, intercaladas com a meditação dos sete mistérios da alegria.

Esta lenda se difundiu por obra de Perbalto de Temeswar (+1504), na sua obra Stellarium, que se tornou muito popular entre os autores do século 16.

Em seguida, também Lucas Wadding (+1654) confirmou esta aparição como origem da Coroa das Sete Alegrias na Ordem dos Frades Menores.

A difusão da Coroa Franciscana

Bernardino de Sena (+1444), que viveu no eremitério de Portaria, onde havia um noviciado da Observância, difundiu esta coroa e provavelmente foi o primeiro a trazê-la pendurada em sua corda.

João de Capistrano (1456) seguiu o uso de Bernardino. Em 25 de novembro de 1452 escreveu uma carta ao guardião de Norimberga indicando o modo de recitar a Coroa da Virgem, com 7 meditações e a genuflexão no nome de Jesus em cada Ave Maria. Ele convidava a meditar não só os Mistérios das Alegrias, mas também as dores da Virgem. Ambos ajudaram a difundir rapidamente a devoção na Itália e na Germânia.

Em 1506, a Comuna de Aquila erigiu na Igreja de Collemaggio uma capela em honra de Santa Maria da Coroa para recordar um milagre de Bernardino de Sena ocorrido naquele local: “isto porque, pregando São Bernardino em Collemaggio, pregando sobre o mérito que se adquire por aqueles que dizem a coroa da imaculadíssima Mão de Deus, sempre Virgem Maria, apareceu uma estrela sobre o ar ou céu, que se diz ter sido vista por muitas pessoas.”

Na Espanha, a difusão foi realizada por Iñigo de Mendoza (+1507), pregador da corte real de Fernando e Isabela de Castela, que escreveu a obra “Os Gozos de Nossa Senhora” sobre a devoção às alegrias de Maria, demonstrando que essa já era uma prática devocional muito difundida na Espanha do século 14.

No Início do Século 16, na França, temos o beato Gilbert Nicolas, conhecido com o nome de Gabriel da Ave Maria (+1532), vigário geral da Observância, que escreveu um tratado onde trata das várias coroas, entre as quais aquela das 72 Ave Maria segundo a idade da Virgem.

A Ordem da Anunciação, fundada por Santa Joana de Valois (+1505), filha do rei da França Luís 11, adotou esta coroa. Isto ajudou para que se difundisse rapidamente em toda a França e também os franciscanos começariam a adotá-la no lugar daquela com 63 Ave Maria.

As Sete Alegrias na Ordem Franciscana

As sete alegrias de Maria tornaram-se motivo de cotidiana contemplação de todo o evento salvífico, que como complemento da oração litúrgica, conduzia o fiel a uma sempre maior conformidade à vida de Cristo e da Virgem, segundo o ideal franciscano. Não faltaram toques diversos no modo de celebrá-la.

Entre os Recoletos, ao invés de anunciarem os mistérios antes da dezena, frequentemente juntavam-no à Ave Maria após o nome de Jesus

A Coroa das sete alegrias foi feita própria da Ordem Franciscana trazendo o apelativo de “Coroa Franciscana”. Esta tornou-se sempre mais uma prática usada tanto pelos religiosos como pelos leigos.

O grande pregador das missões populares, São Leonardo de Porto Maurício (+1751), colocou a coroa entre os seus propósitos: “Todos os dias recitarei a coroa de 7 propósitos de Maria, e não tendo comodidades para ocupações, farei 7 atos de complacência das 7 alegrias que teve o Coração de Maria.

Recomendava-a o mártir São Maximiliano Maria Kolbe (+1941), o grande cavaleiro da imaculada, ao qual escreve: Quando se celebrava a Missa mensal pelos benfeitores, etc… Advertia sempre os Frades, para que, depois das orações da manhã, recitassem a “Coroa Franciscana”, segundo as Constituições.

No tempo de Kolbe, a prática piedosa da Coroa já estava introduzida nas Constituições dos Frades Menores e dos Frades Menores Conventuais.

Os Capuchinhos, que primeiramente adotaram a “Coroa do Senhor”, de origem Calmadolense, preferiram fazer própria a Coroa do Rosário e não aquela Franciscana.

A Igreja, que havia aprovado a Coroa das 63 Ave Maria em 1508, pelo Papa Júlio II, concedendo indulgência plenária aos frades da Observância e Clarissas sempre que a recitassem, aprovou também a Coroa das Sete Alegrias com a mesma indulgência, no dia em 27 de dezembro de 1513 pelo Papa Leão X. Esta indulgência foi confirmada por vários Papas ao longo dos séculos.

Até a reforma do calendário Litúrgico com o Concílio Vaticano II, a Ordem celebrava a Festa das Sete Alegrias da Virgem, estabelecida inicialmente no primeiro domingo após a Oitava da Assunção, posteriormente a 27 de agosto, e por fim supressa do calendário em 1962.

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