O Mistério da Encarnação na vida de Santa Clara e suas irmãs

Escrito pelas Clarissas do Mosteiro Nossa Senhora de Guadalupe, em Caicó – RN para o Boletim Irmão Sol nº 06 de 2021
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Nós cristãos, devemos dar infinitas graças a Deus pela sua bondade diante de tão grande mistério da Encarnação, o Filho de Deus, desceu à terra, no seio puríssimo da sempre Virgem Maria, para salvar e resgatar o homem, abrindo-lhe as portas do paraíso e fazendo-nos partícipes da família de Deus. Por isso, neste mistério devemos ter presente o imenso amor de Deus para com o gênero humano. Lê-se em São João (Jo 3, 16): “tanto Deus amou o mundo, que lhe deu o Seu Filho único.” Para nossos seráficos pais, Francisco e Clara, a Encarnação do Filho de Deus, protagoniza na história da salvação, a aliança esponsal de Deus com a condição humana, uma aliança renovada com o povo de Deus, no seguimento ao Cristo humilde, pobre e crucificado.  

A novidade da espiritualidade franciscana, visível em Francisco e Clara, está na “redescoberta da humanidade de Cristo.” (HUBAUT, p. 217). Deus desce de sua digna habitação e faz-se pobre e humilde até à morte de Cruz. 

O Papa Emérito Bento XVI afirma que isto significa uma viragem para a história da mística. Esta mística da Encarnação vai ser o cerne da espiritualidade de Clara (Verbum Domini 83). Se a mística da encarnação é uma viragem na história da mística cristã, então Clara e Francisco são os principais iniciadores dessa nova mística na Igreja. 

Segundo o mesmo autor, trata-se do choque da encarnação, que nosso pai Francisco, o contempla em três momentos extremos, no nascimento de Belém, no Calvário e na Eucaristia. Nossa mãe santa Clara, através da contemplação do Espelho que é Jesus Cristo, chama atenção das suas filhas para: olhar, meditar, contemplar e imitar, são os passos da oração de Clara: “Fixa o teu olhar no espelho da eternidade, deixa a tua alma banhar-se no esplendor da glória e une o teu coração Àquele que é a encarnação da essência divina, para que, contemplando-O, te transformes inteiramente na imagem da sua divindade (3In 12-13).”

O mistério da Encarnação está presente em sua ação redentora, em nossa vida cotidiana no mosteiro e no compromisso com a nossa vocação, através dos votos de obediência, pobreza, castidade e clausura. O Filho de Deus humanado se faz presente em todas as atividades desenvolvidas por nós em nossa vida diária e de modo peculiar na nossa vida espiritual. 

No voto de Obediência, nos submetendo ao superior e a menorzinha das irmãs. Em vista da obediência do Filho de Deus ao seu Altíssimo Pai Criador. Cumprindo sua vontade em tudo aqui na terra, como Homem perfeito em sua missão. Doando sua vida em favor da salvação da humanidade.  E nós a sua semelhança seguimos os seus passos.

No voto de Pobreza, quando assumimos o “Sem próprio”, numa vida abnegada do ter coisas e delas nos apegarmos. A Encarnação do Senhor, nos remete à sua vida pobre, desde o seu nascimento em Belém, até o Calvário com sua morte na cruz. 

Sendo Ele, Homem e Deus, se fez o Menor em meio aos homens e as pompas do mundo. Assim, também nós vivemos sem segurança ou garantias, entregue às mãos da divina providência. A quem somos devedoras em tudo no nosso itinerário vocacional. Aqui, lembramos a participação em nossa vida, de nossa Mãe Maria santíssima, que tanto nosso pai S. Francisco como nossa Mãe S. Clara, desejaram seguir também a sua pobreza e nela perseverar até o fim. Nossa mãe santa Clara recomenda às suas irmãs: “Que a exemplo de nosso beatíssimo pai Francisco, siga a pobreza e a humildade do dileto Filho de Deus e de sua gloriosa Virgem Mãe. Sempre fiéis a santa pobreza que prometemos a Deus e ao nosso beatíssimo pai Francisco.” (Testamento de S. Clara 46 e 47).

No voto de Castidade, nossa mãe S. Clara, escreve à S. Inês de Praga, 04 cartas com uma linguagem genuinamente esponsal no que se refere a Encarnação e a vida de Jesus, em nossa vocação. “Refiro-me ao Filho do Altíssimo que a Virgem deu à luz e permaneceu virgem mesmo depois do parto. Apega-te à sua dulcíssima Mãe, que gerou tal grande Filho, que o próprio céu não pode compreender.” E ainda: “Assim, portanto, como a Virgem gloriosa das virgens o fez materialmente, assim também tu, seguindo os seus passos e sobretudo os passos da humildade e pobreza, podes carregar sempre espiritualmente no teu corpo casto e virginal.” (1In ). 

Portanto, nos exorta a buscar em Maria Santíssima, a mesma disposição de gerar em nosso ventre espiritual seu Divino Filho, como virgens castas. Fecundando nosso carisma na Igreja e gerando novos rebentos para o Reino de Deus.

No voto de Clausura vivenciamos a mística do mistério da Encarnação, no nosso recolhimento, silêncio e aconchego com o Senhor que se faz Esposo, atendendo a todas nossas necessidades humanas e espirituais. De modo que sua presença redentora nos sustenta e fortalece na fé, esperança e caridade. Na certeza de que não estamos sozinhas, sempre em sua companhia amorosa.

Por fim, em nossa vida a manifestação de Deus que se “fez Carne e habitou entre nós” nos envolve em todos os nossos atos na comunidade, refletindo em todos os tempos celebrativos. É a humildade de Deus, revelada no mistério da Encarnação que encanta Clara e nos encanta a continuarmos firmes na vivência de nossa vocação através desse carisma que é tão rico e cheio de sentido para nós: “Oh maravilhosa humildade! Oh admirável pobreza! O Rei dos anjos, o Senhor do céu e da terra reclinado num presépio!” (4In 20-21).

REFERÊNCIAS

PEREIRA, José Antonio Correia. O caminho de Clara de Assis. Youtube, Semana Franciscana, 04 a 07 de outubro de 2020, Editora Vozes. Disponível em: (https://youtu.be/Uq6ihjPX1_o) Acesso em 08/12/2021.

HUBAUT. Michel. O Rosto Humano de Deus. 2014.

BENTO XVI, Verbum Domini, Exortação Apostólica Pós-sinodal, 2010.

Mosteiro Nossa Senhora de Guadalupe “Mãe das Américas.” Caicó – RN.

Escrito pelas Clarissas do Mosteiro Nossa Senhora de Guadalupe, em Caicó – RN para o Boletim Irmão Sol nº 06 de 2021.

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