Entrevista: Madre Maria José da Rosa Mística

Madre

“Vós sois irmãs de clausura e ninguém vos vê. Porém, as pessoas reconhecem o valor do vosso testemunho de vida”

A frase do Papa Francisco foi dita durante a sua visita ao Mosteiro de Santa Maria de Vallegloria, situado nas imediações de Assis, na Itália. Esse testemunho de vida contemplativa está espalhado pelo mundo em 3.529 mosteiros com 47.626 monjas e 8.100 noviças e postulantes. A Ordem religiosa contemplativa mais numerosa é a de Santa Clara de Assis (OSC) com cerca de 12.600 irmãs, vindo em segundo lugar as Carmelitas com 12.200 e as Beneditinas com 10.800. De 2003 a 2015 foram fechados 185 mosteiros, em compensação foram abertos 154. O maior número de mosteiros abertos é na América Latina com 62, sendo 35 na Ásia, 24 na África, 23 na Europa , 9 na América do Norte e 1 na Oceania.

Na Ordem de Santa Clara, os mosteiros são agrupados em federações (*). Uma destas entidades é afiliada aos Conventuais, 7 aos Capuchinhos e 35 aos Frades Menores.

São nove as denominações, conforme a Regra ou as Constituições que observam: Clarissas (com a Forma de Vida de Santa Clara), as Clarissas Urbanistas, Clarissas Coletinas, Clarissas Capuchinhas, Clarissas Sacramentinas, Clarissas da Adoração Perpétua (com a Regra de Santa Clara ou com a de Urbano IV), Clarissas Capuchinhas Sacramentinas e Clarissas da Divina Providência.

No Brasil, a Federação Sagrada Família tem à frente Madre Maria José da Rosa Mística, que reside em Anápolis (GO), onde atualmente é a sede da entidade. A Federação brasileira reúne vinte Mosteiros ativos e aproximadamente 284 irmãs observando o Santo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, vivendo em castidade, obediência e sem nada de próprio.

Madre Maria José está no segundo mandato à frente da Federação, já que foi eleita em 8 de outubro de 2009 e reeleita em 9 de outubro de 2015 (veja na pág. 523 o histórico da Federação). Nesta entrevista, Madre Maria José fala para as Comunicações como está a vida contemplativa franciscana no Brasil.

Acompanhe!

Site Franciscanos – O que é a Federação dos Mosteiros das
Clarissas do Brasil? Atualmente, quantos Mosteiros e quantas religiosas fazem parte da Federação?

Madre Maria José – A Federação é uma estrutura que une os mosteiros entre si e que tem como objetivo promover a vida contemplativa de acordo com o espírito do Pai São Francisco e da Mãe Santa Clara, vivendo o Evangelho dentro da Igreja, no mundo de hoje, em fidelidade às Constituições e aos costumes da Ordem, respeitando as legítimas diferenças; assegurar uma colaboração eficaz entre os Mosteiros, fomentando a comunhão, procurando atender aos pedidos de ajuda, especialmente diante de desafios de maior necessidade, como também nos casos de reorganização de Mosteiros. No Brasil existem vinte Mosteiros da Ordem de Santa Clara e aproximadamente 284 Irmãs.

Site Franciscanos – Como os Mosteiros sobrevivem?

Madre Maria José – As Irmãs Clarissas vivem da “Providência Divina”, que move muitos corações generosos para serem colaboradores e benfeitores do Mosteiro, mas também trabalhamos com as próprias mãos, a exemplo do Pai São Francisco e da Mãe Santa Clara. Confeccionamos velas, círios, restauramos imagens, paramentos litúrgicos, hóstias. Cultivamos também horta e pomar. Sabemos que também podemos contar com a ajuda dos Frades Menores.

Site Franciscanos – De acordo com os dados do último Anuário Pontifício, no ano 2000, o número de religiosas em todo mundo era de 800 mil, e em 2014 passou para cerca de 683 mil. Para Dom José Rodríguez Carbalho, a questão do abandono da Vida Consagrada está muito relacionado à fragilidade dos compromissos que hoje afeta a sociedade. Essa crise vocacional atingiu os Mosteiros brasileiros? Como está de vocações a Federação Brasileira?

Madre Maria José – Vivemos numa sociedade sem compromisso, que cultiva o descartável, e isso é inevitável. Vivenciamos um declínio em todos os sentidos, tanto na vocação matrimonial como na vocação à Vida Consagrada. A Federação sofre com as desistências de alguns membros, mas o Senhor tem sido muito generoso nas vocações.

Site Franciscanos – Como é feito o trabalho vocacional para a vida contemplativa das Clarissas?

Madre Maria José – Confiamos na Providência. Cremos que o Senhor continua chamando, como chamou Francisco, Clara, Inês, Bernardo, Antônio, Vitória da Encarnação. Os meios de comunicação ajudam muito, pois os jovens são conectados, mas além de nossas orações pelas vocações e os meios de comunicação, ainda hoje Clara e Francisco continuam atraindo e cativando jovens de todas as classes sociais. A pastoral vocacional dos Frades Menores também faz um trabalho bonito. Muitas jovens são encaminhadas aos mosteiros através de nossos irmãos franciscanos. Após o primeiro contato procuramos fazer um acompanhamento personalizado com a jovem candidata, seja por e-mail, telefone, encontros vocacionais ou retiros no próprio Mosteiro.

Site Franciscanos – Quais as etapas para uma jovem professar solenemente na segunda Ordem?

Madre Maria José – O período de formação das Irmãs Clarissas está estabelecido nas nossas CCGG, e nos Estatutos Particulares de cada Mosteiro. Um ano de postulantado, dois de noviciado, e seis anos do juniorato.

Site Franciscanos – Tem lugar para vida religiosa contemplativa hoje no mundo?

Madre Maria José – O homem tem sede de Deus, e em meio a tantas oportunidades que o mundo oferece nada pode preencher a sua busca do infinito. A Vida Contemplativa tornou-se o espaço de paz, um oásis para as almas sedentas de Deus. A Vida Consagrada Contemplativa, hoje, é procurada por muitos jovens que querem viver com mais radicalidade a sua vocação.

Site Franciscanos – E como se deu o discernimento vocacional da jovem Maria José? Por que seguir o exemplo de Clara e Francisco?

Madre Maria José – Surgiu em minha alma o encanto, a admiração, ao ouvir pela primeira vez a narrativa da vida de Santa Clara. Fiquei pensando comigo mesma que poderia fazer a mesma coisa que ela fez. Então comecei a buscar o que poderia preencher o vazio interior e a inquietação da minha alma. Para minha surpresa, quando entrei em contato com o Mosteiro de Santa Clara, em Belo Horizonte, a Madre Maria Pia me respondeu que poderia ir conhecê-las. Então tomei a decisão de deixar tudo: trabalho, família, amigos etc. Quando entrei no Mosteiro, me vi diante da imagem de Santa Clara. Naquele momento senti em meu coração: “Aqui é a minha casa, minha família, o lugar que Deus preparou para mim”. Meu pai é muito devoto de São Francisco das Chagas. Acredito que recebi no seio materno a graça de ser uma filha do pai São Francisco e da mãe Santa Clara. O exemplo de Clara de Assis apaixona, é atraente e desafiador, envolve a alma que busca a Deus.

Site Franciscanos – Fale um pouco de sua vida, sua família?

Madre Maria José – Aos 20 anos entrei no Mosteiro de Santa Clara, de Belo Horizonte MG, onde fiz minha caminhada vocacional e minha Profissão Solene. Após alguns anos de caminhada, senti necessidade de fazer uma experiência em um Mosteiro mais retirado da Cidade, fui para Guaratinguetá (SP). Foi uma experiência muito gratificante e desafiadora para uma Clarissa. Durante o tempo que estive lá fui formadora e Madre por nove anos. Esta experiência junto à Fazenda da Esperança deixou em mim uma marca profunda e indelével da misericórdia de Deus, que acolhe, ama e perdoa o seu povo ferido e machucado pela vida. Atualmente estou no Mosteiro de Santa Clara, Anápolis (GO), com a missão de ajudar fraternamente as irmãs, para juntas fazermos uma nova caminhada.
Deus abençoou a minha família. Meu pai está vivo, tem setenta e oito anos, minha mãe faleceu quando eu era criança. Tenho oito irmãos(as) e duas irmãs adotivas. Somos uma família que soube enfrentar os desafios, as perdas, e ultrapassamos, unidos, as intempéries da vida. Hoje, quando olhamos para trás, reconhecemos o amor e a misericórdia de Deus para conosco.

Site Franciscanos – Quais os desafios que a sra. vê para a vida contemplativa?

Madre Maria José – Os desafios da vida contemplativa são muitos: a cultura do descartável, que gera nos jovens inconstância nos compromissos assumidos; a falta de estrutura familiar; os meios de comunicação, que leva muitos a viverem na Vida Consagrada sem fazerem uma profunda experiência de Deus; as crises constantes de falta de fé, porque não têm fundamentos sólidos e concretos. Um dos grandes desafios em nossa vida é a formação. Formar Irmãs Clarissas, jovens que vêm dessa realidade e conduzi-las nesse processo de cura, de perdão, para, através da interioridade, buscar o único necessário, DEUS, como diria o pai
São Francisco: Meu Deus e meu tudo!

Site Franciscanos – Como vê o Pontificado de Francisco?

Madre Maria José – O Papa Francisco é o homem de que nosso momento presente necessita. Aquele que a Igreja estava esperando ansiosa para que se realizasse a profecia. É um Papa profético, mensageiro da paz e do amor. Arauto do Evangelho de Jesus Cristo, outro São Pedro com o nome de Francisco. Forte quando fala, mais sua fala toca os corações, porque transmite a verdade que gostaríamos de ouvir do pastor, que cuida do rebanho de Cristo. Ele veio trazer esperança e alegria para muitos corações, abraçando, abençoando e conduzindo muitos à misericórdia de Deus. O nosso Papa Francisco é muito humano, está levando a Igreja a ter uma visão diferente do mundo, um olhar voltado para Deus, para o homem que sofre e vive sem esperança. Rezo por ele, admiro sua pessoa, e às vezes penso que Francisco de Assis voltou para nos trazer a paz.

Site Franciscanos – Que mensagem deixaria para as jovens que gostariam de seguir os passos de Clara de Assis?

Madre Maria José – Santa Clara, uma jovem da nobreza, que por inspiração divina, abandona a casa paterna, para seguir o Cristo Pobre e Crucificado, encontra seu ideal de vida no pobrezinho de Assis. Cara jovem, você que sente o chamado e é tocada pela graça divina e deseja conhecer a vida de Santa Clara de Assis, entre em contato com as Irmãs Clarissas de todo Brasil. Em nosso site, clarissas.net.br estão os contatos dos vários mosteiros espalhados pelo país.

(*) A Igreja, a partir do Concílio Vaticano II, com a Constituição Apostólica “Sponsa Christi”, promulgada pelo Papa Pio XII, tem fomentado a união dos mosteiros através das Federações, para a partilha e solidariedade recíproca, tanto em nível material, quando necessário, como espiritual, na formação e enriquecimento mútuo. As Clarissas organizaram-se em Federações no mundo inteiro. Os mosteiros continuam a ser autônomos; uma Madre federal é eleita por um determinado tempo, e torna-se responsável por fomentar a formação das irmãs e esse espírito de colaboração e partilha entre os mosteiros.

A RENOVAÇÃO NA ORDEM

A Família Franciscana da Primeira Ordem elaborou sua Ratio Formationis e seus Estatutos particulares, a partir da Regra e das Constituições Gerais. Sempre na linha do Concílio foram emitidos pela Ordem, na pessoa dos diversos Ministros Gerais, documentos exortativos e de formação. Os mais notórios foram escritos por Frei Constantino Koser (*1918 – †2000), pelo ex-Ministro Geral Frei Giacomo Bini e por Frei José Rodriguez Carballo.

A redescoberta do carisma clariano por parte de toda a Ordem Franciscana, particularmente nas últimas décadas do século XX, conduziu à elaboração de vários escritos, estudos, cartas provinciais, etc., em vista de um maior conhecimento da pessoa de Clara no âmbito da Ordem. E foi bem a propósito, uma vez que hoje a II Ordem goza de considerável material biográfico e de pesquisa que ajudam a entender e reconhecer seu espaço dentro do carisma franciscano.

No Brasil, porém, antes que esse glorioso momento acontecesse no âmbito da II Ordem, houve circunstâncias históricas que retardaram o florescimento da II Ordem em nosso território nacional. Contudo, tendo voltado a florescer em 1928 na cidade do Rio de Janeiro, através da fundação do Mosteiro Nossa Senhora dos Anjos da Porciúncula, pela Comunidade Clariana do Mosteiro de Düsseldorf, Alemanha, a Ordem não cessou de crescer. Finalmente, após o Concílio Vaticano II, começou a despontar também no Brasil o interesse por uma maior integração dos diversos mosteiros já fundados em terras brasileiras. Interesse que foi se avolumando devido à extensão geográfica do País, que dificultava a comunicação entre os mesmos.
Além disso impunha-se a necessidade de se proceder à atualização das Constituições Gerais e dos Estatutos Particulares. Para tanto formou-se uma Comissão composta de algumas madres e irmãos da Ordem dos Menores, destacando-se as figuras de Frei Constantino Koser, Frei Alberto Beckhauser e Frei Bernardo Hoelscher, que praticamente foram os pilares que orientaram as intensas atividades em vista desse objetivo.
Aos poucos os trabalhos realizados findaram por realçar a importância de se pensar numa União entre os mosteiros, que exatamente acabaria por desembocar na formação da Federação Sagrada Família, fundada em 1989 pelo esforço e iniciativa de Frei Bernardo Hoelscher (†1993).

A Federação Sagrada Família, conduzida inicialmente por Madre Maria Coleta do S. Coração de Jesus, do Mosteiro São Damião de Porto Alegre/RS (1989 a 2001) e a seguir por Madre Marlene Inácia de Jesus Hóstia, do Mosteiro Maria Imaculada de Marília/SP (2001 a 2007), busca manter uma integração entre todos os mosteiros do território brasileiro, que atualmente são de 16 de Clarissas, além dos 4 mosteiros de Clarissas Capuchinhas que mantêm um contato mais próximo com as Clarissas. O empenho da Federação tem sido justamente a promoção da formação inicial e permanente dos mosteiros, segundos as orientações da Igreja pós-conciliar para a Vida Contemplativa e o carisma específico da Família Franciscana, em pobreza, fraternidade e minorismo.

Entrevista a Moacir Beggo

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