O Dia da Vida Consagrada foi celebrado pela primeira vez no dia 02 de fevereiro de 1997. Na mensagem do papa São João Paulo II por ocasião deste primeiro dia, ele nos recorda a estreita ligação entre a Festa da Apresentação do Senhor e a vocação específica dos consagrados e consagradas: “O Dia da Vida consagrada será celebrado na festa em que se faz memória da apresentação que Maria e José fizeram de Jesus no Templo ‘para o apresentarem ao Senhor’. Nesta cena evangélica, revela-se o mistério de Jesus, o consagrado do Pai, que veio ao mundo para cumprir fielmente a sua vontade. Simeão o aponta como ‘Luz para iluminar as nações’ e preanuncia, com palavra profética, a oferta suprema de Jesus ao Pai e a sua vitória final. Assim, a Apresentação de Jesus no Templo constitui um eloquente ícone da total doação da própria vida, para todos os que foram chamados a reproduzir na Igreja e no mundo, mediante os conselhos evangélicos, ‘os traços característicos de Jesus virgem, pobre e obediente’ (Vita Consecrata, 1)”.
Neste ano celebramos com júbilo os 25 anos do Dia da Vida Consagrada, neste jubileu fazendo memória da vocação de Francisco e Clara, fazemos memória da nossa própria vocação, agradecendo a Deus pelo benefício mais precioso que recebemos diariamente do Pai das misericórdias: a nossa vocação consagrada.
“A vocação é um dom do amor de Deus. A fonte de todo dom perfeito é Deus, e Deus é Amor. A Sagrada Escritura narra a história desta verdade profunda da nossa existência que está contida neste mistério admirável: cada criatura, e particularmente cada pessoa humana, é fruto de um pensamento e de um ato de amor de Deus, amor imenso, fiel e eterno (cf. Jer 31, 3). É a descoberta deste fato que muda, verdadeira e profundamente, a nossa vida.
Trata-se de um amor sem reservas que nos precede, sustenta e chama ao longo do caminho da vida e que tem a sua raiz na gratuidade absoluta de Deus. De fato, cada vocação específica nasce da iniciativa de Deus, é dom do amor de Deus! É Ele que realiza o primeiro passo, e não o faz por uma particular bondade que teria vislumbrado em nós, mas em virtude da presença do seu próprio amor “derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo” (Bento XVI)
Em todo o tempo, na origem do chamamento divino está a iniciativa do amor infinito de Deus, que se manifesta plenamente em Jesus Cristo. O amor de Deus permanece para sempre; é fiel a si mesmo: este amor é a mola secreta, a causa que não falha, mesmo nas circunstâncias mais difíceis.
O amor a Deus, do qual os presbíteros e os religiosos se tornam imagens visíveis – embora sempre imperfeitas –, é a causa da resposta à vocação de especial consagração ao Senhor através da profissão dos conselhos evangélicos. O vigor da resposta de São Pedro ao divino Mestre:” Tu sabes que Te amo” (Jo 21, 15) – é o segredo duma existência doada e vivida em plenitude e, por isso, repleta de profunda alegria.” (Bento XVI)
A Vocação de Santa Clara
Clara Favarone de Ofreducio nasceu em Assis – Itália. Seus pais se chamavam Favarone e Hortolana e suas irmãs Catarina e Beatriz.
Clara é dotada de boa índole e notável inteligência. Também recebe boa instrução. Sua personalidade afável e piedosa não abafa sua forte e decidida personalidade, principalmente no que tange a sua vocação, ela mesma via dizer em seu Testamento: “Vendo o bem-aventurado Francisco que nós, embora frágeis e fisicamente sem forças, não recusávamos nenhuma privação, pobreza, trabalho, tribulação, nem humilhação ou o desprezo do mundo, 28 e até julgávamos tudo isso as maiores delícias, como pôde comprovar frequentemente em nós a exemplo dos santos e dos seus frades, alegrou-se muito no Senhor.”
Aos dezoito de março de 1212 com dezoito anos de idade Clara de coração fervoroso abandonou casa, cidade e familiares, e foi acolhida por São Francisco e os frades na Capela de Santa Maria da Porciúncula berço da Ordem franciscana, dando início à Ordem das Irmãs Pobres (Clarissas) em 1212.
Na legenda de Santa Clara, atribuída por muitos a Frei Tomás de Celano, o autor reconta como a virgem “abandonou casa, cidade e parentes” concedeu ao mundo a carta de repúdio e depois que tomou as insígnias da santa penitência… desposou-se a Cristo. Seguindo as ordens de São Francisco, esperava uma disposição da vontade divina sobre o local definitivo de sua nova vida. O conselho de São Francisco a guiou enfim à Igreja de São Damião. O biógrafo comenta este fato dizendo que em ‘São Damião’ fixou a âncora do seu espírito como um porto seguro. E não esquece de falar da história precedente. “É esta a famosa Igreja á qual restaurou são Francisco afadigando-se com zelo admirável e a cujo sacerdote tinha oferecido dinheiro para repará-la.” É a Igreja na qual, enquanto Francisco rezava, uma voz descida do lenho da cruz ressoou assim: “Vai Francisco, e repara a minha Igreja que como vês esta em ruínas.” Não resta dúvida que o biográfo acentua na mudança definitiva de Santa Clara a São Damião uma disposição divina de uma vida nova. O local torna-se assim uma interpretação da missão de Santa Clara e de suas filhas para todos os séculos.
Segundo o Testamento de santa Clara, antes mesmo de receber outros companheiros, Francisco havia profetizado o caminho de sua primeira filha espiritual e de suas irmãs. Na verdade, enquanto trabalhava para a restauração da igreja de São Damião, onde o Crucifixo lhe havia falado, havia anunciado que aquele lugar seria habitado por mulheres que glorificariam a Deus com seu santo modo de vida. O Crucifixo original se encontra na basílica de Santa Clara. Aqueles grandes olhos de Cristo que haviam fascinado Francisco transformaram-se no “espelho” de Clara. Não é por acaso que o tema do espelho lhe foi muito querido e na IV carta a Inês de Praga, escreve: “Olhe dentro desse espelho todos os dias, ó rainha, esposa de Jesus Cristo e espelhe nele sem cessar, o seu rosto”
A escolha das virgens de Santa Clara é uma realização profunda da verdadeira essência da Igreja, é a resposta de Francisco ao Crucificado de São Damião que indica que está vida é um tornar-se pomba nas mãos do Senhor, como escreveu de Santa Clara Tomás de Celano, inspirado no Cântico dos Cânticos: “aninhando-se nas fendas da rocha, qual pomba de prata, gerou uma fileira de virgens de Cristo”. Isto é, o ato de envolver-se pela voz do Amado: “Mostra-me Teu rosto e faz-me ouvir Tua voz”. Como alma sensível, persuadida de que não há vida apostólica se não se imerge no peito dilacerado de Cristo, Clara escreveu a Santa Inês: “Considero-te colaboradora de Deus e sustentáculo dos membros fracos e vacilantes do Seu corpo inefável”.
Às contemplativas em Assis, o Papa Bento XVI dirigiu estas palavras: “Vós claustrais, sabeis ter alta a chama da contemplação. A cada uma de vós, desejo repetir as palavras que Santa Clara escrevia numa carta a Santa Inês da Boêmia, pedindo-lhe que fizesse de Cristo o seu espelho: ‘Olha todos os dias neste espelho, ó rainha esposa de Jesus Cristo, e perscruta continuamente o seu rosto’. A vossa vida de escondimento e de oração não vos subtrai do dinamismo missionário da Igreja; pelo contrário, põe-vos no seu coração. Quanto mais altos são os desafios apostólicos, tanto mais é necessário o vosso carisma. Sede sinais do Amor de Cristo, ao qual possam olhar todos os outros irmãos expostos ao cansaço da vida apostólica e do compromisso laical no mundo”.
“Vai e restaura a minha Igreja”
Há mais de 800 anos, nasceu em Assis, na Itália, um jovem chamado Francisco. Nasceu em 1182 e morreu em 1226. Francisco era filho de comerciante, muito popular entre os jovens de Assis. Sonhava em conquistar honrarias e muita glória. Seu pai o incentivava a tornar-se cavaleiro. Francisco tinha vinte anos quando as cidades de Assis e de Perugia entraram em guerra. Francisco combateu por sua cidade e se deu mal. Ferido e preso, só voltou para casa um ano depois, e bastante doente. Cuidado pela mãe durante a convalescência, teve tempo de pensar na vida, pois a glória que buscava já não lhe enchia o coração.
Deu-se conta que um outro senhor, infinitamente maior e mais valioso, lhe disputava o coração. A ele valia a pena consagrar sua vida. Sentiu despertar dentro de si um desejo intenso de seguir Nosso Senhor Jesus Cristo. Mas o caminho ainda não estava absolutamente claro.
Numa, ocasião, o jovem Francisco encontrava-se em oração numa pequena igrejinha, dedicada a São Damião. Rezava diante do Crucifixo, quando percebeu que o crucificado começou a falar-lhe claramente ao coração: “Francisco, vai e restaura a minha igreja”.
A graça começou a plasmar Francisco. Ele tornou-se cada vez mais capaz de fixar o seu olhar no rosto de Cristo e de ouvir a sua voz. Do Crucifixo de São Damião, ele recebeu a indicação de reparar a casa de Cristo, que é precisamente a Igreja. Entre Cristo e a Igreja existe uma relação íntima e indissolúvel. Sem dúvida, ser chamado a repará-la implicava, na missão de Francisco, algo de próprio e de original. Ao mesmo tempo, aquela tarefa nada mais era, em última análise, do que a responsabilidade atribuída por Cristo a cada batizado.
A cada uma de nós, Ele diz hoje: “Vai, repara a minha casa”, a nossa interioridade, o nosso ser, esse reparo só pode ser feito pelo Espirito do Senhor e seu Santo modo de operar, para que cada dia mais possamos como São trazer Jesus sempre no coração. Jesus nos lábios, Jesus nos ouvidos, Jesus nos olhos, Jesus nas mãos, Jesus em todos os outros membros… Convidando toda criação para louvar.
O Dom da nossa Vocação
“Por isso a atrairei, conduzi-la-ei ao deserto e falar-lhe-ei ao coração.”
(Oséias: 2,16)
“É Jesus quem chama. Uma vocação na Igreja, qualquer que seja, não é um direito da pessoa. A iniciativa não é nossa. Não é um projeto de vida, uma escolha pessoal. Uma vocação ninguém a dá a si mesmo. Pode ser só uma resposta ao chamado divino. E por isso é muito grave. Vem de Deus. Mas, ao mesmo tempo, a pessoa chamada, que obedece a Deus na fé e na gratidão, vai descobrir que a sua resposta não é uma destruição de si mesma, mas a perfeita realização do seu ser profundo. Na verdade, somos chamados a tornar-nos aquilo que devemos ser. A realização do projeto divino sobre mim é a minha única vocação, é o caminho que vai tornar-me mais feliz, mais realizado. É o motivo para o qual fui criado. Aqui se vê a pedagogia divina: o Senhor a alguns pede muito, pede mesmo tudo. Pede mais a um que a outro, mas é sempre para dar mais. Não há comparação possível entre o que abandonamos e o que recebemos. Deus dá muito mais do que nós. Mas a iniciativa é sempre do Senhor.
Não existe um direito à vocação. Ninguém pode escolher o ser chamado. Ninguém escolhe a sua própria vocação. O Senhor chama quem quer, como quer e quando quer. Mistério inefável a nossa vocação! Ela consiste no convite de Deus e na resposta do homem, inspirada também pelo Espírito Santo. É Deus que responde a si mesmo no coração do homem. Eis a grandeza da nossa vocação!
Cada um de nós ouviu a voz de Deus, cada um recebeu esse dom divino: entrar na solidão de Deus, porque Deus está procurando o homem. O caminho é longo, muitas vezes árido e seco, mas leva-nos à alegria da face de Deus.
Eis o nosso programa: Busquemos a face do Senhor, e nos preparemos para encontra-la, quer dizer, deixemo-nos encontrar pelo próprio Deus que nos busca e chama.” (Um Cartuxo)
Agradecimento A Deus Pelo Dom Da Vida Consagrada
Irmãos e irmãs, nesta festa da apresentação de Jesus ao templo, eu vos convido a agradecer comigo ao Senhor pelo dom da vida consagrada, que o Espírito Santo suscitou na Igreja.
Vós, aqui presentes, consagrados ao serviço de Deus, numa estupenda variedade de vocações eclesiais, renovais o empenho de seguir Cristo obediente, pobre e casto, a fim de que, pelo vosso testemunho evangélico, resplenda na Igreja e ilumine o mundo, Cristo Senhor, luz dos povos.
Bendito sejas, Senhor, Pai santo, porque na tua infinita bondade, com a voz do teu Espírito, em todos os tempos chamaste homens e mulheresque, já consagrados a ti no Batismo, fossem na Igreja sinal do seguimento radical de Cristo, testemunho vivo do Evangelho, anúncio dos valores do Reino, profecia da Cidade última e nova.
Nós te glorificamos, Pai, e te bendizemos porque, em Jesus Cristo, teu Filho, nos deste a imagem perfeita do servo obediente: ele fez da tua vontade o seu alimento, do serviço a norma de vida, do amor a lei suprema do Reino.
Obrigado(a) Pai, pelo dom de Cristo, filho da tua Serva, servo obediente até a morte.
Com alegria confirmamos hoje o nosso compromisso de obediência ao Evangelho, à voz da Igreja, à nossa regra de vida.
Nós te glorificamos, Pai, e te bendizemos porque, em Jesus Cristo, nosso irmão, nos deste o exemplo mais elevado do dom de si: ele, que era rico, se fez pobre por nós, proclamou felizes os pobres em espírito e abriu aos pequenos os tesouros do Reino.
Obrigado (a) Pai, pelo dom de Cristo, filho do homem, manso, humilde e pobre, que não tinha onde descansar a cabeça.
Alegres, confirmamos hoje o nosso compromisso de viver com sobriedade e austeridade, de vencer o desejo de possuir com a alegria de dar, de servir-nos dos bens do mundo para a causa do Evangelho e a promoção do homem.
Nós te glorificamos, Pai, e te bendizemos, porque em Jesus Cristo, Filho da Virgem Mãe, nos deste o modelo supremo do amor consagrado: ele, Cordeiro sem mancha, viveu amando a ti e aos irmãos, morreu perdoando e abrindo as portas do Reino.
Obrigado(a) Pai, pelo dom de Cristo, esposo virgem da virgem Igreja. Com alegria confirmamos hoje o nosso compromisso de conservar casto o corpo e puro o coração, de viver com amor indiviso para a tua glória e a salvação do mundo.
Olha benigno, Senhor, para estes teus filhos e filhas: firmes na fé e alegres na esperança, sejam, por tua graça, reflexo da tua luz, instrumento do Espírito de paz, prolongamento da presença de Cristo entre os homens. Ele vive e reina nos séculos dos séculos. Amém!