Etimologicamente, celebrar é voltar com frequência a um lugar onde se descobriu que pode haver algo interessante e proveitoso. Para dar um exemplo, as pessoas célebres são as que aparecem com frequência nos meios de comunicação.
Nós celebramos mistérios. Mistério é uma realidade que se descobriu ser muito importante, que não se conhece toda, que pode ser inesgotável. Ao contrário do que muita gente parece pensar, mistério não é uma realidade proibida, não é uma afirmação que não se pode tirar a limpo nem uma verdade que não dá para compreender. É uma fonte inesgotável de onde podemos tirar água indefinidamente, e dela viver sem receio de que venha a falar.
Santa Clara celebrou o mistério do Cristo Esposo em sua vida, com suas irmãs, no Santuário de São Damião e nas raízes do movimento franciscano. Ela foi penetrando cada vez mais dentro da revelação do Filho de Deus feito homem, do Deus-Esposo da Bíblia nele revelado, e foi tirando desse conhecimento uma riqueza infinita para viver cada vez melhor, para ela mesma, para as pessoas próximas, para a construção da humanidade.
Para dar um exemplo, pelo que ela escreveu e viveu poderíamos pensar que tinha um imenso amor ao seu voto de pobreza. Mas, quando o papa Gregório IX disse que poderia dispensá-la do voto, ela respondeu que não queria ser dispensada de seguir “ o meu Senhor Jesus Cristo”. A pobreza era para ela, uma característica do Cristo Esposo, como ela chegou a cantar na primeira Carta a Inês de Praga.
Foi a comunicação de que era uma celebrante do mistério de Cristo Esposo que ela quis partilhar com sua amiga Inês quando lhe escreveu cartas tão ricas de conteúdo. De fato, analisando e refletindo sobre cada frase dessas cartas, descobrimos como ela voltou incessantemente ao descobrimento do Cristo Esposo na Bíblia, nos Santos Padres da Igreja, nos místicos do seu tempo. E como sempre tirou desse conhecimento decisões muito concretas para caminhar com alegria e proveito no caminho que tinha escolhido. Oitocentos anos depois, ainda podemos nos maravilhar com o que ela descobriu, festejou, partilhou e serve ainda hoje para que nossos horizontes sejam mais abertos e nossa vida mais rica de sentido e de felicidade.
A leitura das Cartas a Inês de Praga demonstra que Clara teria sido incapaz de escrever reflexões tão profundas e apaixonadas sobre Jesus Cristo se não as tivesse vivido ela mesma intensamente. Os textos são numerosos. Indico um dos mais interessantes, que, aliás, só pode ser plenamente entendido por quem puder apreciá-lo em latim.
“Feliz, decerto, é você, que pode participar desse banquete sagrado para unir-se com todas as fibras do coração àquele cuja beleza todos os batalhões bem-aventurados dos céus admiram sem cessar, cuja afeição apaixona, cuja contemplação restaura, cuja bondade nos sacia, cuja suavidade preenche, cuja lembrança ilumina suavemente, cujo perfume dará vida aos mortos, cuja visão gloriosa tornará felizes todos os cidadãos da celeste Jerusalém, pois é o esplendor da glória (Hb 1,3) eterna, o brilho da luz perpétua e o espelho sem mancha (Sb 7,26)” (4Ctln 9-14).
Chamo a atenção para o fato de que o texto acima foi feito com o ritmo de um cântico. Clara transborda de felicidade por ter descoberto o Cristo Esposo e por festejar essa felicidade com uma Irmã que tinha feito a mesma descoberta. Podemos dizer que toda a sua vida foi um cântico de celebração.
Nesta reflexão, queremos mostrar como os contemporâneos reconheceram em Clara o brilho do Esposo e como ela celebrou com Inês de Praga o que sempre estivera descobrindo “em rápida corrida, com passo ligeiro e pé seguro, de modo que seus pés nem recolhiam a poeira, confiante e alegre, avançando com cuidado pelo caminho da felicidade” (cf. 2Ctln 12-13), e “abraçando o Cristo pobre como uma virgem pobre” (cf. 2Ctln 18), isto é, cultivando o vazio interior para que o Cristo kenótico, esvaziado (cf. Fl 2,5-8), tivesse em sua interioridade um espaço cada vez maior.
Abrace o Cristo Pobre – Frei José Carlos Corrêa Pedroso, OFMCap