A Assunção na tradição franciscana

Desde Francisco e Clara, a Assunção de Maria ao Céu figura na espiritualidade e é defendida pelos teólogos da Ordem
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A festa da Assunção de Maria ao Céu traz os franciscanos de volta à igrejinha de S. Maria dos Anjos, berço da Ordem, dedicada à Assunção desde as origens. Isso é revelado pelo retábulo pintado por Ilario de Viterbo com ‘o anjo dando a palma da mão à Virgem’ ao anunciar sua morte iminente de acordo com o evangelho apócrifo chamado “Trânsito Romano”. A devoção de Francisco à Assunção é recordada por Boaventura quando escreve:

“Cercou a Mãe do Senhor Jesus de um amor indescritível, por fazer do nosso irmão o Senhor da Majestade e obter misericórdia para nós. Nela, principalmente, depois de Cristo, depositou a sua confiança e, por isso, fez dela sua advogada e sua. Em sua honra jejuou com grande devoção desde a festa dos apóstolos Pedro e Paulo, até a festa da Assunção”

(FF 1165)

Numa época em que, tanto para a festa da Conceição como para a da Assunção, havia fortes críticas por parte daqueles que as consideravam desprovidas de fundamento bíblico, Francisco parece não ter dúvidas. De modo que de seu Seráfico Pai os frades herdaram esta particular devoção e se comprometeram a divulgá-la, como recorda a  constituição apostólica Munificentissimus Deus de Pio XII. Indica os principais mestres franciscanos que a apoiaram, entre eles Antônio de Pádua, Boaventura e Bernardino de Sena. Este “resumindo e tratando com diligência tudo o que os teólogos da Idade Média haviam dito sobre o mistério da Assunção, não se limitou a relatar as principais considerações já propostas pelos doutores anteriores, mas acrescentou outras”. Assim, inspirado por outros grandes mestres franciscanos como Matteo d’Acquasparta e Ubertino da Casale, reformulou as razões teológicas da assunção em sete argumentos; eles são: 

  1. a união profunda que existe entre a mãe e o filho, para a qual, assim como Cristo ressuscitou, também Maria deveria ressuscitar; 
  2. a virgindade perfeita, que viu Maria incorrupta no parto, tornou-a incorruptível das consequências do sepulcro: afinal, também o Evangelho ensina que a virgindade é sinal da ressurreição futura (cf. Lc 20, 34-36); 
  3. o mandamento “honra teu pai e tua mãe” exigia que Cristo honrasse sua mãe de maneira muito especial não só na vida, mas também depois; 
  4. Maria foi então o lugar único e irrepetível da encarnação do Filho de Deus, a “Virgem feita Igreja”, lugar que não podia ser destruído com a morte; 
  5. é a primeira discípula de Cristo, exemplo perfeito de discipulado, que o seguiu fielmente em cada passo da sua vida, segundo o trecho evangélico «se alguém quiser servir-me, siga-me, e onde eu estiver, ali estará sê também minha serva» (Jo 12,26), portanto também ela «só pode estar onde está Cristo»; 
  6. sendo Maria a “bem-aventurada” por excelência, a plenitude da bem-aventurança celestial exige a unidade da pessoa, que se realiza na união do corpo com a alma, de modo que a alma de Maria, para gozar da plenitude da bem-aventurança, teve juntar-se ao corpo após a morte; 
  7. por fim, segundo a mais primorosa antropologia teológica franciscana que une o homem à mulher, Jesus e Maria, também reafirmada pelo santo Papa João Paulo II, a igualdade dos sexos previa que toda a humanidade seria curada por Cristo, ou seja, tanto o macho quanto a fêmea. E, visto que a ressurreição alcança o máximo da redenção, teve que se manifestar tanto no homem como na mulher, em Jesus e Maria, para cumprir plenamente a obra da salvação e ter também Maria como testemunha da ressurreição, para que no céu existe não só o princípio masculino, mas também o feminino, ou seja, toda a humanidade – “homem e mulher os criou” ( Gn 1, 26-27 ), para que fossem um. 

A estes argumentos, como assinala Pio XII, Bernardino de Sena acrescentou outra prova. Na Igreja, diz ele, desde os tempos antigos, houve a veneração das relíquias e do sepulcro dos santos. Para Maria, ao contrário, existe apenas um túmulo vazio. Onde estará o corpo dele? Como é possível que a Igreja tenha zelosamente preservado a dos mártires e santos, e tenha esquecido a da Rainha de todos os santos? Bernardino conclui que a falta desse corpo é sinal de que ele não está mais na terra, mas no céu, onde continua seu papel de nossa Mãe, medianeira e advogada. 

Após a proclamação do dogma da Imaculada Conceição em 1863, iniciou-se o movimento assuncionista que contou com a contribuição de um frade toscano, Remigio Buselli, com a publicação do que é considerado o primeiro tratado científico sobre a Assunção: A Virgem Maria vivendo em corpo  e alma no céu (Florença 1863). Nesta obra o autor exorta toda a família franciscana a continuar seu papel mariano na Igreja com a proclamação do dogma da Assunção para completar o da Imaculada Conceição. 

O apelo não foi rejeitado, seguiram-se estudos e iniciativas, tanto que em 26 de julho de 1946, o Definitório geral instituiu a ‘Commissio Marialis Franciscana’, refundada este ano na Pontificia Academia Mariana Internationalis (PAMI) no Antonianum, com o objetivo de coordenar as províncias nos estudos mariológicos, depois estimulados e orientados de modo particular para as razões da possível definição dogmática da Assunção. O arquivo do PAMI recolhe todas as iniciativas que as diversas províncias da Ordem realizaram até a proclamação do dogma. Devemos então acrescentar os 7 Congressos Franciscanos Assuncionistas organizados pelo Pe. Carlo Balic, graças aos quais tudo foi preparado para convencer o Papa Pio XII a proclamar o dogma em 1º de novembro de 1950.

É fato que os dois dogmas marianos, que alguns definem como franciscanos, chegaram à sua proclamação graças à grande contribuição que viu unida toda a família franciscana. Maria Assunta ao céu, sinal de esperança segura para o destino final de todos, resplandece na sua beleza como prova de que é realmente possível “viver o Santo Evangelho”, como ela mesma o experimentou pela primeira vez. Ela é a “Virgem feita Igreja”, a casa-mulher ( oikos) que acolheu, guardou, alimentou a Palavra divina, alcançando a plena conformidade com Ele e tornando-se para nós um modelo de como viver a vida cristã. Ela é o lugar, como ensinavam os mestres franciscanos, onde Deus fez as pazes com a humanidade. O seu próprio nome, “Maria”, que significa “união entre o céu e a terra”, resplandece na mulher do Apocalipse como a realização da perfeita e luminosa harmonia com todas as criaturas. Ela é quem deu a Jesus um corpo feito de terra para que a terra fosse divinizada pela união com Deus. 

E como Jesus também era da terra, também ele passou pelo caminho da morte, para abrir com a ressurreição a porta que conduz à imortalidade. E como Jesus, também a Imaculada Conceição passou por ali, para viver em tudo o seguimento perfeito do seu Filho, com a sua morte e ressurreição. Finalmente, não devemos esquecer que a tradição diz que São Francisco mandou escrever na fachada da Porciúncula: “esta é a porta para a vida eterna”. De modo que também ele, para completar o seu seguimento de Cristo em tudo, quis deixar este mundo imitando Jesus que na cruz não morreu sozinho, mas com a presença da sua Mãe. Portanto, o próprio Francisco foi levado a Santa Maria dos Anjos para morrer também com a Mãe do Senhor. 

E não esqueçamos também Santa Clara, que no momento de sua morte foi consolada pela aparição da Virgem que se aproximou de seu rosto revelando como os dois estavam tão conformados que não podiam ser distinguidos na fisionomia. Portanto, talvez seja também por isso que na Ave Maria, oração querida e difundida também pelos franciscanos, concluímos dizendo: “rogai por nós agora e na hora da nossa morte”.

Fr. Stefano Cecchin OFM, Presidente da Pontifícia Academia Mariana Internationalis, órgão da Santa Sé encarregado de promover e fomentar a ciência mariológica.
Fonte: ofm.org

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