No dia 11 de agosto de 1253, o Papa Inocêncio IV e sua comitiva, juntamente com grande multidão de fiéis oriundos de Assis e das cidades vizinhas, encheram a capela do mosteiro de São Damião para despedir-se da fundadora das Pobres Damas: Clara, a primeira mulher a seguir os passos de São Francisco, na aventura de viver com radicalidade o Evangelho de Jesus Cristo.
Clara ingressou no movimento franciscano aos 18 anos de idade, faleceu aos 60, nunca deixou a clausura do seu mosteiro, no entanto, mesmo encerrada no claustro, falou a inúmeros corações, converteu pecadores, expulsou demônios, curou enfermos, atraiu multidões.
Como entender que alguém que nunca saiu de seu convento, em uma época em que não existia meios de comunicação digitais, pôde viver a missão?
Com frequência restringe-se o significado de missão à itinerância. Do latim missio, missão
significa a ação de enviar; já itinerância refere-se a deslocamento, movimentação. De fato,
denominamos como missionários aqueles que saem para levar a palavra de Deus aos povos.
Mas Clara nunca saiu da sua clausura, então, como podemos vê-la como missionária? Vemos no concreto na vida de Clara o ensinamento que Francisco deixou para os frades:
“Evangelizemos sempre, se necessário usemos palavras”. Ao dizer isso, o Pai dos menores ensina a mostrar com a vida os ensinamentos de Cristo, demonstrando com atitudes o que as palavras indicam. Ele deseja que seus filhos tenham uma vivência tão concreta dos valores do Evangelho, que transpareça naturalmente na vida, para que as pessoas possam ver atos, não só ouvir palavras.
Esse mesmo pensamento tem Santo Antônio ao dizer: “Cessem as palavras e falem as obras”, convidando os cristãos a serem praticantes da Palavra, não só repetidores de vocábulos. Em Clara, fiel discípula de Francisco, vemos a plena vivência dos seus ensinamentos.
Em comparação a outros santos e fundadores, Clara deixou pouquíssimos escritos, não fez
nenhuma pregação, não escreveu tratados, itinerários ou biografia, nem falou sobre métodos de oração e ascese, porém deixou inúmeros exemplos. Em Clara, mais do que as palavras, sua vida falou. Deixou um testemunho eloquente, que ecoa até nossos dias.
O Processo de Canonização da fundadora das Clarissas está repleto de testemunhos sobre
como viveu no dia a dia o Evangelho de Jesus Cristo. Desde antes de sua conversão, de sua entrada para a vida religiosa, quando ainda morava na casa paterna, destacava-se pelo seu comportamento, recolhida e orante, já chamava a atenção pelo seu modo de ser. Mesmo sendo de família nobre, tirava do seu próprio alimento para socorrer os mais necessitados. Quando fugiu de casa, vendendo sua herança e doando aos pobres, deu testemunho da adesão radical ao Evangelho: deixar tudo e seguir o Senhor. No mosteiro, exortava as irmãs com palavras, mas acima de tudo, anunciava o Cristo pobre e humilde através de seu exemplo de abnegação e mortificação diária. Unia-se ao Senhor numa vida intensa de penitência e oração, refletindo o que colhia dos colóquios divinos nos serviços mais humildes do mosteiro: mesmo sendo abadessa, nunca se recusou em lavar os pés das irmãs ou cuidar das enfermas.
Na Bula de sua canonização, o Papa Alexandre IV diz: “Clara calava e sua fama se espalhava”. As pessoas eram atraídas pela sua vida de santidade, suas palavras profundas, seus sábios conselhos, sua oração eficaz; até altos dignitários da Igreja dirigiram-se para o pequeno mosteiro para conhecê-la e beber do seu manancial.
Após sua morte, Deus concedeu graças e milagres aos seus devotos, através de sua
intercessão. E até nossos dias, a força de sua vida nos alcança, pois, o caminho que inaugurou há mais de 800 anos continua aberto e vivo, sua ordem permanece florescente no mundo inteiro.
Vemos assim que na vida da Plantinha de Francisco, a missionaridade se manifesta mais
na vivência da Palavra do que no seu anúncio, na prática do que na teoria, na força do testemunho do que na eloquência dos discursos.
Clara foi missionária não porque falou de Cristo, mas porque viveu Cristo! O claustro do mosteiro de São Damião foi o púlpito, onde proferiu sua pregação, carente de palavras, mas repleta de vida.
Em louvor de Cristo! Amém!
Escrito por Irmã Maria Agnes do Bom Pastor, OSC para o Boletim Irmão Sol nº 05 de 2021.
Mosteiro Santa Clara em Campina Grande – PB.